Graça Fonseca admite “um dia” candidatar-se a presidente da Câmara de Lisboa
A ministra da Cultura considera que a hiper-atenção de que foi alvo no início do seu mandato se deve a ter assumido publicamente a sua orientação sexual.
Se o PS ganhar eleições e voltar a ser convidada, Graça Fonseca quer continuar a ser ministra da Cultura. E afirma que foi “desde o início favorável” à aliança de esquerda. “A indefinição”, garante, “alimenta o populismo”.
Aceitou ser ministra da Cultura por dez meses ou é de admitir que, se o PS ganhar eleições, estará disponível para reassumir a pasta?
Sim, assumi a pasta por dez meses, é verdade. Numa perspectiva de, se o PS ganhar eleições, se o primeiro-ministro continuar a ter a confiança que teve para me convidar e novamente me convidar, continuar a fazer o trabalho que tenho estado a fazer. Em última análise o primeiro-ministro decide como quer formar governo.
Enquanto dirigente do PS já em 2015, como viu o seu secretário-geral assumir pela primeira vez uma aliança de poder com o PCP e o BE?
Sempre fui favorável à actual solução. O que sempre defendi e continuo a defender é que o pior para a democracia são as soluções pouco definidas ou muito fluidas, em que não há um posicionamento muito determinado. A indefinição é algo que, na minha opinião, alimenta o populismo, alimenta o crescimento dos extremos. Por outro lado, era a oportunidade histórica de finalmente quebrar com este estigma de nunca ter existido um governo de esquerda.
Sente a Modernização Administrativa como uma obra também sua?
É um trabalho que vem de há muitos anos, precisamente da altura em que a Maria Manuel Leitão Marques, em 2007, com o ministro da Administração Interna, António Costa, começaram o programa Simplex. O que foi feito nos últimos três anos, sim, naturalmente tem muito do meu trabalho e eventualmente a minha marca pessoal. Tentámos reinventar o trabalho transversal ao Governo e de ligação com as pessoas, com os trabalhadores do Estado, com as empresas, envolver as diferentes áreas e actores importantes, ir a mais território, falar com autarcas, identificar problemas e soluções. Essa é uma marca que conseguimos deixar, readaptando o programa às mudanças sociais e económicas dos últimos dez anos.
Já antes, como vereadora da Câmara de Lisboa esteve ligada a áreas importantes: a inovação, as startups, as Lojas com História e, sobretudo, uma coisa que deixou uma grande marca na cidade, a reforma das freguesias. Com essa sua experiência como vereadora, admite um dia vir a candidatar-se a presidente da Câmara de Lisboa?
Não estou a trabalhar para outra candidatura que não seja para o próximo governo. Se me pergunta se eu gostei muito do trabalho em Lisboa, gostei muito. Estive seis anos em Lisboa com António Costa e gostei mesmo muito do trabalho que realizámos, porque nos permite essa ligação muito próxima às pessoas, ver e conhecer aquilo que estamos a fazer. Quando fizemos as Lojas com História, a reforma da cidade, quando abrimos a primeira incubadora de empresas no centro da cidade… Quando abriu a startup na Baixa, a Baixa fechava ao sábado e ao domingo, não tinha pessoas na rua. O trabalho que foi possível fazer ao longo daqueles anos, aliás, muito com o João Vasconcelos, que recentemente faleceu, mudou muito a cidade. Se me pergunta se foram seis anos felizes, foram bastante felizes, como também tem sido aquilo que tenho feito. Quem sabe, o trabalho autárquico é algo que eu gostarei um dia de voltar a fazer, como presidente de câmara ou com outra função qualquer. É um trabalho muito gratificante.
Tem familiares no Governo ou há familiares de outros socialistas no seu gabinete?
Vou dar-lhe o exemplo da minha chefe de gabinete, que já foi notícia por ter uma relação familiar com um deputado do PS [Marcos Perestrelo]. Conheço-a há 20 anos, foi minha chefe de gabinete na Câmara, trabalhei com ela [antes] quer no Ministério da Justiça quer no da Administração Interna. As pessoas recrutam outras em função de dois factores, competência e confiança. Um chefe de gabinete é alguém com quem temos de ter uma relação de confiança. Se perguntar ao contrário, se pelo facto de ela ter uma relação com um deputado do PS eu não a posso convidar quando acho que é a pessoa mais indicada, isso faz algum sentido? Na minha cabeça, não faz. Não é por ela ser familiar de um deputado do PS que vou deixar de a convidar para minha chefe de gabinete. Porque sei que grande parte do sucesso do meu cargo depende deste lugar.
No início do mandato esteve envolvida em várias polémicas – as touradas, ler ou não jornais, Lusa –, as quais vistas de longe parecem ter sido ampliadas pela pressão das redes sociais. Na sua opinião, isso aconteceu pela sua proximidade com Costa?
Tenho dificuldade em responder centrada em mim. É um sinal dos tempos. São casos diferentes. O caso das touradas é uma posição assumida pelo Governo, da qual fui porta-voz; já tinha sido aprovado o Orçamento do Estado quando tomei posse. Há um empolamento que começa no meio político e extravasa, e que é alimentado fundamentalmente pelas redes sociais. O tema animais é um daqueles temas que suscitam os dois extremos de forma muito radical, que suscitam reacções de radicalização – e por um lado ainda bem. Hoje a comunicação é hiper-rápida e tem uma lógica quase irracional. Tinha acabado de chegar ao Ministério da Cultura. Estava no Governo como secretária de Estado, mas não tinha a notoriedade de agora. O facto de ser tutelar a área da Cultura, que tem tido uma grande instabilidade governativa e de relação com os sectores, de ser dirigente nacional e de ter um percurso de alguma proximidade com o primeiro-ministro, tudo isto contribui para a atenção ser mais concentrada em mim.
Acha que essa hiper-atenção que lhe foi reservada pode ter sido influenciada pelo facto de numa entrevista ao Diário de Notícias ter assumido publicamente a sua orientação sexual?
Isso claramente. Aí há uma lógica, que reporto também à autora da entrevista. No tipo de reacções e comentários que recebi na altura, ao contrário de agora, houve de facto muito uma reacção política, mesmo partidária, mais à direita, mas não só. E agora quando sou nomeada ministra da Cultura e alguém diz que pela primeira vez há uma ministra que assume publicamente [ser lésbica], quando isto volta outra vez, percebe-se que é uma reacção para tentar, de alguma maneira, descredibilizar-me. Isso respondo afirmativamente que sim.