Com menos dadores, mais pessoas terão dispositivos que ajudam coração a bater

Director do serviço de cirurgia cardiotorácica do Santa Marta defende que o Governo deve criar programa específico de financiamento para estes dispositivos.

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Paulo Pimenta

O cirurgião cardiotorácico José Fragata advertiu esta quarta-feira que a falta de dadores é um “problema emergente” em Portugal que levará a um “aumento exponencial” dos dispositivos que ajudam a bater o coração dos doentes com insuficiência cardíaca terminal.

“Hoje em dia deparamo-nos com um problema grave que é a redução muito marcada de dadores adequados para transplantação cardíaca e isso vai levar inexoravelmente ao aumento exponencial de dispositivos” como o HeartMate3, implantado há dois anos num doente de 64 anos que sofria de insuficiência cardíaca e não podia receber um coração transplantado, numa cirurgia pioneira em Portugal realizada por José Fragata.

Perante esta realidade, o director do serviço de cirurgia cardiotorácica do Hospital de Santa Marta, em Lisboa, defendeu que o Governo devia criar um programa específico de financiamento para estes dispositivos de assistência ventricular.

As declarações de José Fragata foram feitas à agência Lusa, a propósito do 50.º aniversário da implantação do primeiro coração artificial total num doente. Foi a 4 de Abril de 1969, num hospital do Texas, Estados Unidos, que o cirurgião cardiotorácico norte-americano Denton Cooley fez esta operação inédita, como uma medida temporária até que o doente, Haskell Karp, de 47 anos, ​recebesse um coração de um dador.

“Hoje em dia no mundo há dezenas de milhares de pessoas ligadas a dispositivos destes”, mas “Portugal neste aspecto não está numa boa posição e era muito importante que a tutela, na primeira ocasião que fosse possível, criasse um programa específico” porque “não é justo estar a pedir às administrações hospitalares o dispêndio de 100 mil euros por cada dispositivo”, vincou.

Estas dificuldades também foram apontadas pelo director do serviço do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, José Neves, afirmando que “em Portugal, há um constrangimento grande aos custos desta terapia” que ainda está no início em Portugal.

“É uma terapia que está em desenvolvimento, cara e complexa, mas é uma terapia a que o país não pode fechar os olhos”, defendeu José Neves.

O cirurgião do Hospital de Santa Cruz, onde também já foi realizada a intervenção para colocação do HeartMate3, explicou que estes aparelhos se destinam a “doentes que não têm dadores” e cuja saúde se está a deteriorar.

“Muitos deles deveriam beneficiar” deste tratamento, mas ainda não está autorizado”, disse José Neves, adiantando que não estão previstos financiamentos próprios para estes dispositivos, ao contrário de outros, e os hospitais ficam constrangidos pelo financiamento destes aparelhos.

O cirurgião explicou que, normalmente, quando há dispositivos o financiamento leva algum tempo até aparecer. Neste caso, disse, “como o financiamento é de uma ordem bastante elevada, espero que isso não impeça o desenvolvimento desta prática”.

José Fragata observou, por sua vez, que a “falta de dadores é um problema emergente em toda a Europa, nos Estados Unidos, mas muito concretamente” em Portugal, onde as unidades que fazem transplantes vivem confrontadas com “uma escassez enorme de dadores”.

No ano passado, havia 30 doentes à espera de um transplante do coração e 16 acabaram por morrer, segundo dados do Instituto Português do Sangue e Transplantação. “Em Portugal, nos melhores anos, fizemos quase 50 transplantes cardíacos, ou seja, 4,5 por milhão de habitantes”, disse José Fragata. 

O cirurgião cardiotorácico estima que sejam necessários, no mínimo 20 ou 25 dispositivos, “olhando para a população que é candidata a transplante e pensando que só haverá corações para metade”.

Até agora, o aparelho foi implementado em menos de dez doentes.

Os receptores destes dispositivos são doentes com insuficiência cardíaca terminal que necessitam de um transplante de coração, mas há duas situações em que o doente não pode ser transplantado e tem que ser colocado o aparelho definitivamente.

Uma das situações é o facto de o doente não poder tomar os medicamentos associados ao transplante e a outra é a “espera de um coração que nunca mais aparece”, explicou José Fragata.