Filhos de jornalista morto recebem milhares do regime saudita como “compensação”
Pagamentos e oferta de casas milionárias a dois filhos e duas filhas de Jamal Khashoggi fazem parte do esforço do regime para conter a indignação pelo assassínio do jornalista.
Os filhos do jornalista Jamal Khashoggi, assassinado no consulado saudita em Istambul em Outubro do ano passado e cujo corpo não foi ainda encontrado, estão a receber pagamentos avultados “de cinco dígitos” e ainda casas milionárias como “compensação” pela morte do pai às mãos de agentes sauditas.
O regime de Riad apresenta o caso como uma operação especial que correu mal, levada a cabo sem o conhecimento do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, mais conhecido como “MBS”. Várias agências de informação como a americana CIA apontam uma cadeia de comando até “MBS”.
O regime acusou 11 pessoas pela morte de Khashoggi num processo criticado por associações de defesa de direitos humanos. Cinco dos acusados podem enfrentar a pena de morte.
A notícia dos pagamentos é dada pelo diário norte-americano The Washington Post, no qual Khashoggi era colunista e no qual as suas críticas ao regime saudita estavam a causar desconforto no regime. Khashoggi não era, no entanto, um dissidente: sempre se apresentou como alguém que queria apenas melhorar o governo do país, mas decidiu viver fora da Arábia Saudita por discordar do regime em algumas áreas.
Até agora, os filhos de Khashoggi não têm falado publicamente muito sobre o caso, fazendo apenas em Novembro um apelo para que fosse descoberto o corpo do pai.
O silêncio dos filhos tem contrastado com a indignação geral provocada pela morte do jornalista e até com a reacção da noiva, Hatice Cengiz, que esperou 11 horas à porta do consulado pelo regresso de Khashoggi – o jornalista tinha ido buscar uma certidão para permitir o casamento. Cengiz publicou recentemente um livro sobre o jornalista.
O pagamento do regime, diz o Post, servirá para assegurar que os filhos continuam a manter-se discretos.
Segundo o Post, cada irmão tem recebido pagamentos mensais de “10 mil dólares ou mais”, porque, segundo um responsável, “foi feita uma grande injustiça” e esta é uma tentativa de a diminuir. Cada casa entregue a cada irmão valerá até 4 milhões de dólares – estão num complexo em que Salah Khashoggi, o irmão mais velho, viverá, ocupando a principal. Os outros irmãos vivem nos EUA e deverão vender as casas.
Um responsável saudita disse que os pagamentos eram feitos de acordo com uma prática antiga do país de dar apoio financeiro a vítimas de crimes violentos ou de desastres naturais.
Em Outubro, mais de duas semanas após o desaparecimento, o regime divulgou uma imagem da família real a receber um dos filhos de Khashoggi. Foi pouco depois de as autoridades sauditas mudarem a sua versão de que o jornalista tinha saído do consulado pelo seu próprio pé, falando de uma morte “numa luta” com agentes que o queriam levar de volta para a Arábia Saudita, e no mesmo dia o Presidente turco acusava o regime saudita do crime, que teria sido premeditado.
A imagem pretendia mostrar como o filho não culparia o regime, mas não correu como esperado: o regime foi criticado por ser insensível e obrigar o filho de Khashoggi a esse encontro quando tanta incerteza pairava sobre a morte do pai.
Uma equipa de investigação das Nações Unidas, em que participa o forense português Duarte Nuno Vieira, diz que houve premeditação e que a única dúvida é se o homicídio era o plano original ou o “plano B”, caso não fosse possível convencer Khashoggi a regressar à Arábia Saudita. A ONU diz também que houve uma série de tentativas de destruir provas no consulado saudita.