Tribunal condena presidente e vice-presidente da Câmara de Vila Viçosa a perda de mandato
Viatura transportou 19 trabalhadores do município alentejano para uma concentração em frente da Assembleia da República numa acção de repúdio pela constituição do governo de Passos Coelho.
O Tribunal Judicial da Comarca de Évora (Juízo de Competência Genérica de Vila Viçosa) condenou no dia 29 de Março, por “crime de peculato de uso por titular de cargo político, o actual presidente da Câmara de Vila Viçosa, Manuel Condenado, o vice-presidente Luís Nascimento e as ex-vereadoras Tânia Courela e Ana Cristina Rocha. Tanto o presidente como o vice-presidente foram ainda condenados a perda de mandato. Em causa está o uso de meios da autarquia e a dispensa de trabalhadores para irem manifestar-se em Lisboa.
Os arguidos contestaram, argumentando que os actos por si praticados “têm cobertura legal e constitucional”, salientando que tinham actuado “sem conhecimento ou consciência de que agiam de forma contrária à lei”.
O tribunal assim não entendeu, frisando que os arguidos agiram “ao arrepio das disposições legais aplicáveis” quando deliberaram, na reunião de câmara de 5 de Novembro de 2015, “ceder” ao Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) uma viatura do município que foi utilizada no transporte de trabalhadores da autarquia para uma manifestação de “cariz político-partidário em Lisboa”. A decisão do executivo municipal contemplou a dispensa de 19 trabalhadores do “exercício das suas funções profissionais” no dia da manifestação, invocando como fundamentos “a sua solidariedade pessoal para com os fins e objectivos da manifestação em causa, e contra as forças políticas que nela eram visadas”, isto é, o PSD e o CDS-PP.
A deliberação tomada na reunião de câmara não contemplou “cobrança de quaisquer taxas pela utilização do veículo cedido e ainda suportou os encargos decorrentes dessa utilização, com combustível, portagens e retribuição do motorista”. A viatura municipal com capacidade para 55 passageiros esteve ausente, em Lisboa, entre as 09h00 e as 21h30 e percorreu 389 quilómetros.
A sentença descreve que a concentração foi convocada pela CGTP – Intersindical Nacional e teve lugar frente à Assembleia da República, no dia 10 de Novembro de 2015, com o objectivo de “rejeitar o governo de direita de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Exigir uma política nova!”.
A conduta dos arguidos foi criticada pelo tribunal por “violar os princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade” e, ao mesmo tempo, facultar um “tratamento mais favorável” a um grupo de 19 trabalhadores da autarquia, permitindo-lhes que se “ausentassem do seu local de trabalho sem que tal fosse considerada falta”. Este tipo de tratamento “não foi dado aos demais trabalhadores do município”, assinala-se na decisão judicial.
Nesta circunstância, os arguidos fizeram uso dos “poderes próprios do cargo para finalidades estranhas e contrárias às permitidas por lei”, dando suporte a uma decisão que “infringiu os deveres decorrentes dos cargos que exercem e das funções que lhes são próprias, com intenção de obterem, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outrem”, sublinha o relatório da sentença.
Durante o julgamento, os arguidos “admitiram expressamente como verdadeiros a globalidade dos factos acima mencionados”, não contestando ou pondo em causa os termos da deliberação tomada. Manuel Condenado, que exerce ininterruptamente o cargo de presidente da Câmara de Vila Viçosa desde 2013, deixou claro que “votaria favoravelmente” a cedência de viaturas “sempre que os funcionários do município, através do seu sindicato, solicitarem à Câmara Municipal apoio para se manifestarem na defesa dos seus interesses como trabalhadores para tentarem melhorar as suas condições de vida. O presidente da Câmara Municipal é um defensor intransigente e radical dos direitos de quem trabalha e daqueles que já trabalharam”, pode ler-se nas declarações que prestou. Os outros arguidos apresentaram justificações análogas.
O STAL tinha apelado ao executivo municipal para que este se solidarizasse "com a luta dos trabalhadores, dispensando das suas funções profissionais os trabalhadores do município e lhes ceda o necessário transporte para lá se deslocarem em defesa dos seus direitos”.
O tribunal lembra, a propósito, que não faz parte das atribuições das autarquias locais o apoio a forças político-partidárias nem a manifestações de cariz político e eminentemente partidário”, frisando que aos órgãos da administração local compete “a obrigação de agirem com imparcialidade no exercício das suas funções e na prossecução dos objectivos que lhe estão definidos por lei”.
Perante os factos relatados nos autos, o tribunal critica a actuação dos arguidos frisando ter sido, “efectivamente, ilícita, feita à margem de qualquer enquadramento legal, e motivada por razões político-ideológicas, tendo, além disso, os arguidos consciência dessa ilicitude” ao mesmo tempo que “sabiam que afectavam um bem público à prossecução de um fim estranho às suas atribuições”.
Pedro Ávila, o advogado que participou no “exercício altruístico de cidadania” dinamizado por um grupo de cidadãos inconformados com o “uso dos bens públicos ao serviço de uma coutada”, referiu ao PÚBLICO que o processo esteve para “morrer no caminho” com a recusa do Ministério Público em acusar os arguidos. “Felizmente que o recurso a uma tal decisão acabou por ser aceite em 1ª Instância”, assinalou o jurista, admitindo não conhecer um caso semelhante que tenha chegado à barra dos tribunais.
Foi um “feliz exemplo do papel de vigilância e fiscalização que compete aos cidadãos”, vincou Pedro Ávila, apesar da decisão “ainda não ter transitado em julgado, pois é intenção dos arguidos recorrer”, concluiu.<_o3a_p>
O PÚBLICO tentou contactar o presidente da Câmara de Vila Viçosa, mas não foi possível obter as suas declarações sobre a decisão judicial que o condenou à perda de mandato.