Depois de Paris, Isabel dos Santos e Oi enfrentam-se em Amesterdão

No banco dos réus está uma das empresas de Isabel dos Santos que é accionista indirecta da Nos, a Unitel International Holdings, registada na Holanda.

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N Factos/Fernando Veludo

A brasileira Oi conseguiu que o tribunal arbitral de Paris condenasse os seus sócios angolanos da Unitel SA a pagarem-lhe mais de 600 milhões de euros, entre dividendos em falta e uma compensação pela desvalorização do seu investimento na empresa de telecomunicações angolana. Mas nem por isso acabou de acertar contas com a filha do ex-presidente de Angola, Isabel dos Santos.

A empresária é visada num outro processo que está a correr termos num tribunal de Amesterdão, no qual os brasileiros (que têm 25% da Unitel SA através da PT Ventures) reclamam compensação por transacções que entendem terem sido feitas com o propósito de Isabel dos Santos “se enriquecer a ela própria e às companhias suas associadas, a UIH [Unitel International Holdings] e a Tokeyna”.

Em Agosto, a justiça holandesa rejeitou um recurso da empresária, no qual sustentava que a Holanda, onde está registada a UIH, não tinha jurisdição para analisar parte das queixas da PT Ventures. O caso prossegue e, além de decidir sobre uma eventual compensação financeira, o tribunal holandês também é chamado a pronunciar-se sobre a idoneidade da empresária e a sua forma de estar nos negócios.

Neste processo, em que os brasileiros vão poder contar com o trunfo da decisão favorável da Câmara de Comércio Internacional (ICC) de Paris, um dos temas em análise são os sete empréstimos, de cerca de 360 milhões de euros no conjunto, atribuídos pela operadora angolana Unitel SA à Unitel International Holdings (UIH), sendo esta uma sociedade sem relacionamento com a primeira e controlada pela empresária.

A UIH é uma das accionistas da ZOPT, a sociedade que detém 52,15% do capital da operadora de telecomunicações Nos, numa parceria entre a Sonaecom (dona do PÚBLICO) e Isabel dos Santos (que, além da UIH, também está presente neste veículo através da Kento Holding Limited, registada em Malta).

Os contratos consultados pelo PÚBLICO têm prazos de dez anos (o primeiro é de Maio de 2012) e a taxa de juro usada é a Libor a três meses – à excepção de um financiamento de 145 milhões destinado a finalizar a fusão entre a Zon e a Optimus (que deu origem à Nos), em que é aplicado um spread de 2% sobre a taxa de juro. A PT Ventures alega que as condições dos empréstimos a Isabel dos Santos são muito mais vantajosas do que as de mercado e mesmo que aquelas que a própria Unitel SA tem com os seus credores: “a Libor a 6 meses + 3%”. No processo arbitral fica claro que a UIH pagou os primeiros juros dos empréstimos apenas em Janeiro de 2018, cerca de duas semanas antes de Isabel dos Santos ter de ir a Paris depor.

Se o tribunal arbitral concluiu que a PT Ventures foi efectivamente prejudicada pela conduta dos accionistas angolanos da Unitel SA (a Vidatel, de Isabel dos Santos, a Mercury, da Sonangol, e a Geni, (controlada pelo general Leopoldino do Nascimento), no caso específico dos empréstimos considerou não ter ficado provado que resultaram numa perda efectiva, nem que fosse certo que a Unitel SA tivesse distribuído mais dividendos, caso não tivesse realizado esses empréstimos.

E embora tenha entendido “não ter de formar uma opinião conclusiva sobre o tema, porque o queixoso [a PTV] também não estabeleceu o valor específico da perda” alegada, o tribunal reconheceu ter “dúvidas consideráveis sobre a razoabilidade das [suas] condições comerciais”. Além disso, verificou que seria pouco provável que estes negócios fossem aprovados por um conselho de administração em que os brasileiros tivessem a maioria, como deveria ser se o acordo parassocial da Unitel SA estivesse a ser respeitado. Há duas semanas, a Unitel SA elegeu os novos órgãos sociais e Isabel dos Santos perdeu a presidência do conselho, tendo a Oi passado a assegurar mais poder na empresa. 

No caso de Amesterdão, os brasileiros querem que o tribunal declare que “Isabel dos Santos agiu de forma ilícita e contra os interesses da PTV” por realizar as transacções polémicas, mas pretendem que o mesmo seja reconhecido em relação à UIH e à Tokeyna, “pelo seu envolvimento” nas ditas transacções. Se a empresária agiu movida apenas por “interesse próprio”, não submeteu as transacções ao devido escrutínio dos órgãos sociais da Unitel SA e ignorou o conflito de interesses que residia no facto de, como presidente da administração da operadora angolana, estar a autorizar empréstimos a uma sociedade sua; a UIH e a Tokeyna, ao envolverem-se em operações que sabiam serem lesivas dos interesses de terceiros, violaram igualmente a lei, alega a PTV.

Relativamente à Tokeyna (registada nas Ilhas Virgens Britânicas), o caso talvez seja ilustrativo de uma estratégia, mas poderá terá perdido força em termos de compensação financeira. Isto porque entretanto ficaram sem efeito, em 2015, as transacções com esta empresa que levaram a reservas dos auditores nas contas da Unitel SA (como um contrato de prestação de serviços de “consultoria e suporte” pelos quais se pagaram 155 milhões de dólares em 2013, e teriam de se pagar outros 178 milhões em 2014, ou ainda a cedência do direito da Unitel SA ao reembolso dos empréstimos feitos à UIH, mas apenas por um terço do valor, de acordo com a PT Ventures).

Optimus e Nos incluídas na argumentação

De uma forma ou de outra, ao longo do processo de arbitragem decorrido em Paris, a Nos, e mesmo a antiga Optimus, entraram na narrativa utilizada por Isabel dos Santos e pela Geni para explicar as operações de financiamento que permitiram transferir cerca de 370 milhões de euros para as contas bancárias da UIH (no banco holandês ING). Por exemplo, no depoimento do processo de arbitragem em Paris, Isabel dos Santos começa por explicar que os três accionistas angolanos da Unitel SA decidiram criar “uma plataforma separada” da antiga Portugal Telecom para irem “procurar oportunidades de negócio” e que a criação da UIH serviu precisamente para “financiar a aquisição de operadores móveis no estrangeiro”. 

Quando questionada directamente sobre se o dinheiro da Unitel SA serviu para que a Kento e a UIH tivessem os fundos para concretizar a fusão Optimus/Zon, Isabel dos Santos insistiu que o dinheiro seria para “financiar a compra de uma participação num operador móvel”. O advogado da PT Ventures quis saber se esse operador móvel era a Nos, o que obrigou a empresária a um esforço de memória: “Nessa altura penso que se chamava Optimus, porque inicialmente a Nos não existia”, respondeu Isabel dos Santos.

E detalhou: “Na realidade, montámos a UIH com a intenção de tornar a Unitel [SA] internacional, para começar um novo empreendimento internacional, e apareceu uma oportunidade ao nível da Optimus”. A Optimus “era um pequeno operador móvel em Portugal, o terceiro operador, e assim conseguimos comprar uma participação na Optimus”, disse Isabel dos Santos no tribunal arbitral. “Mais tarde”, prosseguiu a empresária “surgiu outra oportunidade em que conseguimos adquirir uma participação numa empresa de televisão e Internet chamada Zon”.

O que se seguiu depois foi um “longo processo negocial”, acrescentou Isabel dos Santos, recorrendo sempre à primeira pessoa do plural: “Com estas negociações”, em que “estivemos muito envolvidos e que liderámos”, o que se pretendia era alcançar uma fusão, “o que conseguimos”.

O PÚBLICO questionou a empresária sobre quando é que a UIH comprou capital da Optimus, ou da Sonaecom (que detinha a antiga operadora móvel), quanto comprou e através de que empresa. Fonte oficial da empresária não respondeu em tempo útil.

Amílcar Safeca, representante da Geni na Unitel SA, que também assinou os empréstimos, explicou em Paris que estes financiamentos, atribuídos em euros e dólares, “faziam sentido porque serviriam como operações de hedging” para que a companhia se protegesse da desvalorização do kwanza.

Ainda que os sete contratos incluam como “condição precedente à utilização” do dinheiro a entrega de um comprovativo de que os alvos dos empréstimos foram constituídos como colaterais, essas garantias, segundo a PT Ventures, nunca foram materializadas.

O que não impediu que a Geni tenha usado a operadora de telecomunicações portuguesa como um dos seus argumentos de defesa no processo arbitral. “Relativamente aos empréstimos à UIH, o respondente 3 [a Geni] mantém que são um mecanismo de hedging do qual a Unitel está a beneficiar, tendo aliás os empréstimos duplicado de valor desde que foram contratualizados”, refere a decisão, que ainda cita, a propósito, uma passagem das alegações finais da Geni: “Os colaterais também subiram de valor e as acções da Nos sozinhas seriam suficientes para pagar a maior parte dos empréstimos da UIH”.

Enquanto se aguarda o desfecho do caso na Holanda, a PT Ventures deverá procurar o reconhecimento pela justiça angolana da decisão da ICC (revelada no mês passado), algo que é possível porque Angola aderiu, no início de 2017, à Convenção de Nova Iorque sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras.

A sociedade detida pela Oi já conseguiu que um tribunal das Ilhas Virgens Britânicas (também aderentes à convenção de Nova Iorque) emitisse uma ordem mundial de congelamento de bens da Vidatel, a sociedade através da qual Isabel dos Santos detém 25% da Unitel SA. Caso não sejam identificados bens da Vidatel (Isabel dos Santos conseguiu, por exemplo, retirar 238 milhões de euros de uma conta desta sociedade no BPI apenas sete horas antes de a decisão ser tornada efectiva), poderiam ser usadas na reparação à Oi as acções da Unitel SA, ou o direito ao recebimento de quaisquer dividendos, explicou ao PÚBLICO uma fonte próxima do processo.

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