Montanha russa ou roleta russa?

Um Dia de Cada Vez é uma bela série de comédia que foi cancelada por falta de audiências; Grace & Frankie não é tão boa, mas aparentemente tem audiências. Vai-se a ver e nestas coisas o Netflix não se porta de maneira diferente dos canais abertos.

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Uma série começa muito bem, cria onda, parece que tudo está no sítio certo — depois a coisa vai abaixo, às vezes recupera, às vezes nem por isso, mas a roleta das audiências e dos algoritmos parece não levar isso em conta. Dois casos recentes de sitcoms Netflix que sofreram essas montanhas russas criativas, mas que tiveram resultados diferentes: Um Dia de Cada Vez foi cancelada após a terceira temporada de episódios; Grace & Frankie foi renovada para uma sexta.

Muito se falou da decisão do serviço de streaming de terminar Um Dia de Cada Vez: a actualização da série clássica dos anos 1970 produzida por Norman Uma Família às Direitas Lear foi uma das raras sitcoms recentes a receber o aplauso da crítica, com a sua abordagem directa e divertida a temas prementes e fracturantes na sociedade americana. É verdade que por vezes Um Dia de Cada Vez parece didáctica de mais no seu retrato idealizado de uma família de classe trabalhadora latina em Los Angeles. Onde a primeira temporada era francamente mais homogénea, a segunda e terceira já se perderam um pouco mais na vontade de agarrar o touro pelos cornos. Esse didactismo, contudo, nunca impediu que houvesse momentos de genuína inspiração no humor da série — quase todos roubados pela veterania de Rita Moreno, impagável no papel da avó viúva e resmungona.

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Porque é que Um Dia de Cada Vez foi cancelado quando uma série com um nível médio inferior, Grace & Frankie, continuou por temporadas fraquinhas é um mistério. É verdade que a sitcom com Jane Fonda e Lily Tomlin recuperou, e francamente, na quinta temporada entretanto iniciada; a criação de Marta Kauffman e Howard Morris (Friends) “perdeu-se” ao “descentrar” a acção da amizade crescente das duas mulheres obrigadas a morar juntas e desperdiçando duas dúzias de episódios em tramas pouco inspiradas e mal desenvolvidas (desde a narrativa da empresa de vibradores à mudança das duas para um lar que terminou a quarta série). Com os novos episódios, a série recuperou o alento e a graça do início, mas a abordagem à idade e aos achaques do tempo que passa foi apanhada com mais pontaria pela temporada inicial de outro projecto Netflix recente, O Método Kominsky, com Michael Douglas e Alan Arkin.

Um Dia de Cada Vez tinha potencial para ir mais longe, mas foi cancelada; Grace & Frankie pareceu a certa altura tê-lo esgotado, e não é certo que o tenha recuperado por inteiro, mas foi renovada. Claro que há outras considerações em jogo — financeiras, de produção, de audiências (que o Netflix teima em usar como razão para cancelar projectos, mas depois nunca divulga) — mas a verdade é que, pelos vistos, o admirável mundo novo do streaming porta-se com as séries exactamente como um canal de TV normalíssimo. Ou seja, cancela e renova sem que se perceba exactamente qual é a lógica.

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