Se Erdogan perder Ancara, a culpa é da sua política económica

Menos de um ano depois da grande crise cambial turca, o Presidente Erdogan arrisca-se a perder a capital nas eleições locais deste domingo. Pode ser o princípio da queda do seu partido e poder que detém desde 2003.

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Cartazes de Erdogan em Istambul SEDAT SUNA/EPA

Ismail Akin votou no partido do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, durante quase 20 anos, mas este pai de três filhos disse que isso irá mudar no domingo, porque a economia em queda obrigou-o a encerrar a sua loja e a endividar-se.

Num mercado na capital turca na semana passada, Akin agarrou o seu casaco e disse “até isto está hipotecado”, depois de a economia turca ter entrado em recessão na ressaca da crise cambial do ano passado.

“Votámos neste homem durante 20 anos. Basta. Vamos bater-lhe com as costas das nossas mãos para que ele veja do que é que este país é feito”, afirmou Akin. Ele disse que iria votar no principal candidato da oposição nas eleições locais deste domingo.

As sondagens indicam que Erdogan pode ser derrotado em Ancara, a capital, centro do poder que detém desde 2003. O seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) pode continuar a governar após uma disputa cerrada em Istambul, onde Erdogan foi presidente da câmara, mas uma derrota em Ancara seria um golpe. 

Início do declínio

“O factor psicológico de perder a capital, perder uma das grandes cidades da Turquia, poderá ser entendido pelos eleitores como o início do declínio”, disse o analista político Murat Yetkin.

As eleições locais são as primeiras desde a crise monetária, e surgem numa altura em que as autoridades combatem uma nova onda de falta de confiança na lira turca.

A moeda recuperou esta semana, em parte porque a Turquia deu ordem aos seus bancos para tornarem a lira virtualmente inacessível em Londres, um mercado estrangeiro crucial, até depois das eleições deste domingo – sem liquidez, impede impede os investidores estrangeiros de apostar contra a sua moeda.

Esta medida tampão pode ter poupado Erdogan ao embaraço de uma crise cambial na véspera das eleições, mas os economistas vaticinam que são necessárias reformas a longo prazo para ser retomado o ritmo de crescimento forte que foi a imagem de marca dos primeiros anos de governação do AKP.

Os dirigentes do partido dizem estar inquietos com os resultados das eleições. Nas últimas semanas, Erdogan participou em cinco comícios por dia e definiu as eleições como uma “questão de sobrevivência”.

Entrevistas em Ancara com mais de 50 eleitores, duas semanas antes das eleições, indicaram que vários apoiantes de longa data do AKP estão a mudar de opinião em relação ao partido e procuram punir Erdogan pela instabilidade causada pela economia débil.

“Não há produção, nada. Eles mandaram vir stands com comida, mas ele [Erdogan] vai tratar da economia com vitrines?”, disse Orhan Akkaya, um comerciante local que disse já não apoiar o AKP. “Eles acabaram com o país.”

“Problemas sérios”

Antes das eleições presidenciais do ano passado, a principal força da oposição, o Partido Popular Republicano (CHP), formou uma aliança com o Partido Bom (IYI), para combater com a coligação entre o AKP de Erdogan e os nacionalistas (extrema-direita) do MHP.

Mansur Yavas, o candidato da oposição em Ancara, tem dois pontos percentuais de vantagem sobre o seu adversário do AKP, Mehmet Ozhaseki, de acordo com a empresa de sondagens Gezici. Porém, um estudo encomendado pelo AKP mostrava que Ozhaseki estava a reduzir a diferença e alcançou 1,5 pontos de vantagem, segundo uma fonte do partido.

Yavas foi o candidato do CHP em 2014, mas perdeu numas eleições marcadas por acusações de fraude eleitoral. Ozhaseki, um ex-autarca da Anatólia central, foi ministro até sair do cargo após as eleições presidenciais e legislativas do ano passado, que consolidaram o poder de Erdogan.

Em conversa com a Reuters durante a campanha, Yavas disse acreditar que iria vencer em Ancara, porque o seu adversário desvalorizou os desafios económicos do povo. “Eles não vêem os problemas económicos em Ancara. Eles não vêm cá falar com os donos das lojas”, afirmou.

Ao mesmo tempo que Erdogan, apoiado pelos turcos mais devotos, se tornou no líder mais popular da Turquia moderna, ele é também o menos consensual. Os turcos seculares dizem que as suas políticas impedem a crítica e interferem com as vidas privadas e com os direitos individuais.

Mas foram as suas políticas económicas pouco ortodoxas, incluindo uma escalada na dívida externa, que ajudaram a desencadear a crise do ano passado, que retirou quase 30% do valor da lira. A contracção no quarto trimestre foi a pior da economia turca em quase dez anos.

“O que esperávamos na economia não aconteceu, essa é a realidade”, disse à Reuters um dirigente do AKP. “Quando a economia antes era um dado a nosso favor, agora é o nosso ponto fraco.”

“Se ao AKP tiver uma grande derrota [em Ancara], pode inciar-se um período de problemas muito graves para o partido”, acrescentou o dirigente.

“Fartos”

Murat Gezici, presidente da empresa de sondagens Gezici, disse que três em cada quatro eleitores indecisos apoiaram o MHP ou o AKP em eleições legislativas e locais no passado.

A queda da economia deixou muitos dos eleitores inseguros, afirmou Gezici, citando a sondagem de 16 e 17 de Março. Mais do que pensar nos sucessos antigos do AKP, os eleitores estão a pensar nas promessas para o futuro dos candidatos.

“Talvez nem vá votar, estou tão farto”, disse Huseyin Kilic, outro eleitor desencantado do AKP. Despedido do emprego numa fábrica e atirando ao ar as moedas que diz serem as suas últimas, Kilic, em frente a um mercado de rua em Ulus, no centro de Ancara, disse que ainda não se decidiu.

Porém, poucos se atrevem a afastar Erdogan antes dos votos estarem contados. Durante quase duas décadas, ele e o AKP não perderam nenhuma eleição local em Ancara ou em Istambul. O partido está à frente nas sondagens noutras cidades grandes, como Adana ou Konya.

Às compras no centro de Ancara, Neriman diz que continua fiel ao AKP, desvalorizando os problemas económicos.

“Eles [o AKP] deram-nos tudo, financeira e emocionalmente. Não há problemas económicos”, afirmou. “Vou votar no AKP porque durante anos tudo foi melhor.”  Reuters

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