Torra avisa: “Caíram dois presidentes do governo por se recusarem a dialogar”

O presidente da Generalitat esteve em Lisboa para denunciar o julgamento “injusto” dos líderes catalães em Madrid e pediu o apoio da União Europeia.

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Quim Torra (no centro), ao lado do historiador José Pacheco Pereira e do professor André Freire Nuno Ferreira Monteiro

O presidente do governo catalão, Quim Torra, veio esta sexta-feira a Lisboa denunciar o que diz serem os abusos cometidos pelo Estado espanhol face ao processo pela independência da Catalunha, numa altura em que os principais líderes do movimento estão a ser julgados pelo Supremo Tribunal em Madrid.

Torra considera o julgamento “injusto” e diz que os direitos dos 12 líderes independentistas, presos há mais de um ano por terem organizado o referendo declarado ilegal pela Justiça, não estão a ser respeitados.

“O direito à defesa dos nossos líderes políticos é posto em causa”, afirmou, durante uma conferência organizada pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE – IUL). Mas o problema tem raízes históricas. “A Transição espanhola foi incompleta, deixou instituições franquistas”, observou Torra, dando os exemplos dos tribunais e da polícia.

Na conferência participaram também o historiador José Pacheco Pereira, o politólogo André Freire e o especialista em Relações Internacionais Filipe Vasconcelos Romão. “Não é preciso ser apoiante da causa independentista catalã para apoiar os presos políticos”, disse Pacheco Pereira. “A justiça espanhola está intimamente politizada e a fazer uma interpretação extensiva de um crime, o que é ilegal e vai pagar caro quando as instituições de justiça europeias julgarem o caso”, defendeu Vasconcelos Romão.

Aproveitando a deslocação fora de Espanha, Torra dirigiu também mensagens à União Europeia. “Em tempos de autoritarismos crescentes, defender o direito a autodeterminação é do interesse geopolítico da União Europeia”, afirmou o líder catalão. Caso contrário, disse, “a porta irá permanecer aberta para os Estados reprimirem as suas minorias”.

O presidente da Generalitat também dirigiu algumas palavras a Portugal, lembrando algumas semelhanças no percurso histórico das duas nações. Torra recordou que em 1640, quando Portugal recuperou a independência face a Castela, também a Catalunha se revoltou contra a coroa, sem conseguir, porém, a independência. “Pergunto-me como seria se Portugal tivesse estado tanto tempo sob o domínio de Castela [como a Catalunha], provavelmente teríamos histórias parecidas”, afirmou Torra, que anunciou a reabertura da delegação do governo catalão em Lisboa.

Uma folha em branco

Como forma de exemplificar as dificuldades de diálogo com Madrid, o mandatário catalão falou das reuniões que manteve com o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, em que numa folha em branco desenhou duas colunas. Escreveu a proposta da Generalitat – independência – num dos lados e pediu que Sánchez fizesse o mesmo. “Não recebemos nunca uma resposta, porque Espanha nega reconhecer-nos como uma parte”, disse Torra.

Com eleições nacionais marcadas para 28 de Abril, o chefe do governo catalão reforçou os pedidos para que o próximo executivo espanhol aceite sentar-se à mesa das negociações. E lembrou: “Peço ao próximo Governo que aceite que não se pode governar contra Catalunha, caíram dois presidentes do governo por se recusarem a dialogar”, disse Torra, referindo-se a Sánchez e ao seu antecessor, Mariano Rajoy.

Rajoy (Partido Popular, direita) caiu, na verdade, na sequência dos escândalos de corrupção no seu partido e após uma moção de censura. O Governo liderado pelo Partido Socialista (PSOE, esquerda) caiu no mês passado, depois de os independentistas catalães que o apoiavam no Parlamento terem chumbado o Orçamento. Perante a perspectiva de o próximo executivo ser composto por partidos da direita – algumas sondagens dão maioria a uma coligação entre o Partido Popular, o Cidadãos, ambos de centro-direita, e o Vox, de extrema-direita –, Torra responde que “dizer que os independentistas catalães são culpados pelo ressurgimento da ultra-direita, é como dizer que a culpa da violência doméstica é das mulheres agredidas”.

Torra teve ainda direito a uma pergunta que o obrigou a imaginar-se no papel de líder de um futuro Estado catalão independente. Partindo da iniciativa recente do Presidente mexicano, López Obrador, que exigiu um pedido de desculpas do Estado espanhol pelos massacres feitos pelos conquistadores durante a colonização americana, foi questionado se a Catalunha, que fazia parte da coroa nos séculos da colonização, estaria disponível para aceder a um pedido semelhante.

O líder catalão remeteu a resposta para o parlamento regional, mas deu o exemplo de uma viagem oficial à Grécia, que teve partes do seu território controladas pela Catalunha, em que foi inaugurada uma placa que eram pedidas desculpas. “Não tenho nenhum problema em reconhecer que quando se cometeram atrocidades é preciso dizê-lo e confio que o parlamento decida dessa forma”, afirmou.

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