“Não tenho memória”. Banco de Portugal sabia de problemas na CGD desde 2011 e nada fez, acusa BE

Carlos Costa não revelou que consequências teve a auditoria do Banco de Portugal de 2011 que concluía por problemas na concessão de crédito do banco público. Governador não se demitirá mesmo que comissão de inquérito conclua que teve responsabilidades.

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LUSA/ANDRÉ KOSTERS

Carlos Costa esteve esta quarta-feira a ser ouvido na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) na sua dupla qualidade de ex-administrador do banco público, entre 2004 e 2006, e enquanto governador do Banco de Portugal (BdP). E é neste seu papel de fiscalizador que lhe foram apontadas críticas pelos deputados. A deputada do BE, Mariana Mortágua desenterrou uma auditoria do BdP à CGD de 2011 e concluiu que o BdP sabia dos problemas das CGD oito anos antes da auditoria da EY, que destapou os principais créditos ruinosos da CGD e nada fez nestes anos. Duarte Pacheco, do PSD, afirmou que Carlos Costa está a “proteger os amigos da Caixa” e os deputados do PS, CDS e PCP apontaram ao governador as falhas no seu papel de regulador, pondo em causa a sua idoneidade para o cargo.

Neste ponto, os partidos estiveram todos de acordo e não foi uma audição fácil para Carlos Costa que se viu confrontado com as opiniões dos deputados que consideraram que o BdP não agiu a tempo no banco público. A deputada bloquista confrontou Carlos Costa com conclusões de uma auditora do BdP à CGD que, disse tem conclusões “iguais às da EY”[Ernst&Young, a consultora que fez a auditoria à CGD e revelou os créditos problemáticos do banco público] e disse não entender porque não agiu o BdP.

Este documento, acredita a deputada, mostra que o BdP sabia e mesmo assim não avançou para uma avaliação dos actos de gestão da CGD. Na resposta, o governador diz que “felizmente” a deputada reconhece esse mérito ao BdP, de ter “detectado as situações” e que “seguramente que houve um conjunto de injunções que acompanharam a auditoria e um consequente reforço da qualidade de governo da CGD”. Quais? Não disse e remeteu, mais tarde, para correspondência trocada entre o BdP e a CGD. “Encontrará seguramente o seguimento dessa auditoria”.

Mas referiu que se foram detectadas essas situações, ficou por apurar a “responsabilidade subjectiva”, ou seja “era preciso que houvesse evidência que havia uma pessoa [administrador] em causa”. O que significa isto? Significa que apesar de ter detectado estas situações, o BdP não avançou para nenhuma acção contra-ordenacional aos administradores que estavam em funções e que foram os responsáveis pelas situações detectadas pela auditoria.

Isso mesmo ficou explícito numa resposta que Carlos Costa deu a Duarte Pacheco, deputado do PSD, que o acusou de estar a “proteger os amigos da Caixa”. Não há um relatório de analise que não tenha a seguir as suas consequências”, garantiu, contudo, “não estamos perante factos de natureza prudencial, mas de natureza da gestão” e por isso as acção do BdP é diferente. Questionado sobre o facto de haver administradores de outros bancos que têm processos dessa índole, Carlos Cosa respondeu: “Em causa estão coisas totalmente diferentes”.

Certo é que agora, depois do relatório da EY, o BdP admite estar a avaliar “a existência de indícios de condutas susceptíveis de configurar ilícitos de natureza contra-ordenacional” na CGD.

Carlos Costa não se demite

“Não tenho memória”, repetiu por várias vezes Carlos Costa. “Não tenho documentação sobre isso e não tenho memória”. “Não consta das minhas recordações”; ou ainda “passaram 14 anos”; ou “passaram 13 anos”, foram várias das fórmulas que usou para responder aos deputados. A falta de memória ou documentação prendem-se com as discussões que aconteceram ou não no conselho de administração enquanto esteve na CGD, desde os créditos ruinosos, à discussão sobre política de crédito ou ainda sobre se foi alguma vez discutida “a exposição da CGD ao BCP”.  “Não participei nas decisões, sem que isso constitua qualquer juízo de valor, não tenho memória que a exposição tenha sido num conselho de administração”, disse.

Na audição, Carlos Costa foi questionado sobre os seus pedidos de escusa enquanto governador das matérias que envolvem a CGD pelo deputado João Paulo Correia do PS, pela deputada Cecília Meireles do CDS e pelo deputado Duarte Alves do PCP. Sobre este assunto, Carlos Costa garantiu que não tem “qualquer responsabilidade” e por isso disse: “Estou convicto que a comissão não vai concluir isso e se concluir tem de accionar o mecanismo” para destituir o governador. Se chegarem a essa conclusão, não irá pedir para sair. “Não vou introduzir nenhuma inovação no cumprimento de regras europeias”, afirmou.

Já na primeira ronda de perguntas tinha referido estar tranquilo. Primeiro o deputado socialista tinha querido perceber os timings do seu pedido de escusa e houve uma discrepância, primeiro falou em 2017, mas os comunicados do BdP sobre o assunto, na sequência de uma notícia da Sábado, falam em Novembro de 2018. Costa respondeu depois tratarem-se de assuntos diferentes. A deputada Cecília Meireles, voltou ao tema e o governador explicou que pediu escusa das decisões sobre a CGD para o passado, não para o futuro e que está “tão tranquilo” com a matéria que não se sente “inibido”.

A tranquilidade do governador do seu papel enquanto administrador advém do facto, disse, de não ter participado nas operações do chamado “Top 25” da EY, ou seja, dos principais créditos ruinosos da CGD. Essa foi algumas das garantias que deu aos deputados quando foi questionado sobre operações específicas aprovadas pela CGD durante os anos em que foi administrador. Na ordem das intervenções, Mariana Mortágua, do BE perguntou sobre várias operações de crédito às quais, Carlos Costa garante não ter dado aval. 

Mortágua questionou se tem memória que o conselho de administração tenha discutido, além de alguns créditos concretos: se “houve alguma discussão sobre algum cliente do Top 25?”; ou se “alguma vez discutiram os critérios de concessão de crédito"; se “discutiram o facto de haver incumprimento reiterado dos pareceres de risco e dos normativos internos?” ou “irregularidades de crédito"; ou ainda, e por fim, se alguma vez foi discutida “a exposição do BCP” através de alguns créditos para compras de acção do BCP. 

A todas estas perguntas, a resposta foi a mesma: “Não participei nas decisões, sem que isso constitua qualquer juízo de valor, não tenho memória que a exposição tenha sido num conselho de administração”, respondeu.

Governador recusa ser avaliado

Carlos Costa disse esta tarde no Parlamento que o Banco de Portugal não encontrou indícios de “ocultação” de perdas no banco público. Já quanto ao seu papel enquanto ex-administrador da CGD, o actual governador do Banco de Portugal recusou a ideia que tem de ser submetido a um teste de idoneidade. “Não sou candidato à administração de nenhum banco”, respondeu.

A resposta surgiu a perguntas do deputado socialista João Paulo Correia que quis saber o que fez o Banco de Portugal (BdP) depois de ter recebido a auditoria da Ernst&Young (EY) sobre a gestão da Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2005. Sobre este assunto, Carlos Costa diz que pediu à CGD que acatasse as conclusões da auditoria e remeteu o documento para os órgãos internos do BdP para que pudesse ser analisado. 

Ora uma das acções que o BdP tomou na sequência da auditoria foi o de avaliar, ou reavaliar, a idoneidade dos administradores e órgãos de fiscalização de bancos. Carlos Costa foi administrador da CGD, o que levou o deputado socialista a defender que há uma “impunidade” do governador, uma vez que é o único a não ser avaliado.

Carlos Costa repetiu a defesa que já tinha ensaiado numa entrevista à SIC, dizendo que informou o conselho de ética do Banco Central Europeu (BCE) sobre o seu envolvimento na CGD e que não tem “qualquer dificuldade” em explicar o que foi o seu trabalho.

Mais tarde, afirmou que apenas muito “ocasionalmente” participou nos conselhos alargados de crédito e que não participou em nenhuma decisão dos 25 principais créditos do banco público. Além disso, explicou que na altura, participou para haver “quórum” em algumas reuniões, mas que não era a sua área. Destas reuniões, as actas apenas indicam a decisão e não a discussão. E sobre isto, Carlos Costa referiu que na altura não havia regras para as actas, e que não estar na sua redacção final não significa que cada processo não tenha toda a documentação. 

Perante as respostas do governador, o deputado socialista lamentou a falta de explicações dadas pelo BdP, uma vez que ou é culpa das “projecções” ou da conjuntura económica.

Não há indícios de ocultação

Sobre o seu papel de governador, Carlos Costa explicou que a CGD foi submetida a várias acções de supervisão, mas que “não foram acções de supervisão específicas ao processo de concessão de crédito”, disse. E não foram feitas porque, disse, o “registo de imparidades não se distingue dos bancos da praça e não se distingue do ponto de vista do conservadorismo”. Além disso, explicou, porque havia um “menor perfil de risco da CGD comparado com os seus pares, por uma sucessiva evidência de níveis adequados” de risco e ainda porque havia um “nível de conforto dos órgãos de administração, fiscalização interna”.

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