Afinal, os políticos vão poder guardar as prendas e aceitar viagens
Ofertas acima de 150 euros têm que ser apresentadas ao organismo a que os titulares pertencem, mas este pode deixá-los ficar com elas. Foi criada a Entidade da Transparência e aprovada pena de prisão até três anos para prevaricadores.
Depois de terem esgrimido argumentos durante várias tardes sobre qual o limite aceitável para um político ou alto dirigente público receber uma prenda ou uma viagem de uma entidade privada e até de terem aprovado, num texto inicial, o registo público na internet para todas as ofertas e a entrega das prendas de valor superior a 150 euros, nesta quarta-feira, os deputados da Comissão da Transparência deram um passo atrás. Os deputados do PSD e do PS, esclareça-se, já que foram quem mudou o sentido de voto entre esse texto inicial e as votações feitas agora.
Assim, com o voto favorável do PS e do PCP e a ajuda da abstenção do PSD, caiu qualquer necessidade de registo das ofertas recebidas no desempenho das funções por políticos e altos dirigentes do Estado e estes só precisam de as “apresentar ao organismo” a que pertencem. Será este que decidirá o que fazer com o bem - que até pode ir para casa de quem o recebeu.
O PSD até tinha votado contra esta última proposta, o que faria com que nenhuma oferta de bens materiais ou de serviços de valor superior a 150 euros precisasse de ser comunicada, mas o PS avisou que então iria mesmo “tudo abaixo” na regra das prendas e os sociais-democratas voltaram atrás.
No caso da oferta de viagens e alojamento, PSD e PS (e também PCP) voltaram a unir-se para fazer aprovar uma regra que estipula que “não está sujeita a dever de registo a aceitação de ofertas, de transporte ou alojamento que ocorra no contexto das relações pessoais ou familiares” e outras que permitem aceitar quaisquer convites compatíveis com a “relevância de representação própria do cargo” ou “cuja aceitação corresponde a acto de cortesia ou urbanidade institucional”.
Um cenário que levou o deputado Paulo Trigo Pereira a fazer um violento ataque sobre o “desastre total e absoluto” da nova lei, que permite “total opacidade para os convites privados” e “descredibiliza” o processo legislativo. E acrescentou que casos como as viagens pagas pela Galp ao Euro 2016 que levaram às demissões no Governo e a processos judiciais a deputados passam agora a ser legais.
O socialista Pedro Delgado Alves replicou que quem aceita esses convites fica impedido de intervir em questões que envolvam essa entidade e isso assegura a transparência. Pedro Filipe Soares (BE) e Vânia Dias da Silva (CDS) lamentaram não haver registo de todas as ofertas ou pelo menos de um valor mínimo de 150 euros; António Filipe (PCP) recusou o “registo de bagatelas” e a submissão a códigos de conduta; Álvaro Batista (PSD) vincou o “valor equilibrado” do que fica aprovado.
Entre outras matérias que acabaram também por ser aprovadas no novo “regime do exercício de funções pelos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos” está a criação da Entidade para a Transparência, que ficará encarregue da análise e fiscalização das declarações de rendimentos, património e interesses destes titulares.
Foi aprovada a obrigação de entrega de uma declaração três anos após a saída do cargo para controlar se houve um acréscimo desmesurado do património, e também sanções mais fortes para quem não entregar a declaração - seja com ou sem intenção. Se, por exemplo, não declarar rendimentos a que estava obrigado de valor superior a 50 salários mínimos, pode ser punido com pena de prisão até três anos e esse património será tributado à taxa de 80% no IRS; se for um antigo titular e não entregar a declaração pode ficar inibido de voltar a um cargo destes por um período de um a cinco anos.