Na cidade da Beira, “está boa agora a situação”
Água e comida não falta no mercado, explicam os comerciantes de Esturro, um bairro da cidade moçambicana que ficou 90% destruída com o ciclone Idai. A economia de catástrofe instalou-se durante alguns dias, mas "já entrou produto" e os preços começam a baixar.
Rajak Nathani é um dos muçulmanos indianos que dominam o comércio grossista na zona do Esturro, um bairro da Beira. Para ele, a cidade moçambicana já recuperou do impacto do ciclone Idai, que a devastou em 90%. “Está boa agora a situação. Já está normal”, garante. À porta da sua loja, os clientes juntam-se em fila para comprar. Só falta a energia eléctrica; a água já começou a correr nas torneiras.
Ainda há produtos em falta porque a procura aumentou muito depois do apagão — o preço das velas e das pilhas, por exemplo, chegou a duplicar. Os preços sofreram um acréscimo num misto de oferta e procura e especulação, como é comum na economia de catástrofe. Os materiais de construção de que a cidade precisa para a reconstrução subiram, embora na loja de material de construção, o empregado indiano, que fala pouco português e não sabe inglês, garanta que as chapas (bem essencial para uma vasta camada da população) estão ao mesmo preço.
“Os preços aqui na cidade estão caros”, diz Nelson Cruz, brasileiro que há 23 anos reside na Beira, enquanto carrega o automóvel com uma dezena de sacos de arroz de 25 quilos cada. “Trabalhamos com a área social, houve muita gente afectada e estamos comprando para doar”. É pastor evangélico originário de São Paulo.
Na rua de sucessivas lojas que vendem desde sacos de arroz a capulanas, de capas de telemóvel a produtos de higiene, homens indianos atendem lojas cheias na penumbra. Há áreas na cidade onde a electricidade já foi reposta — a baixa da Beira era, na noite de terça-feira, vista do mar, uma mancha de luz —, mas não aqui.
Aníbal Febre e Raqesh Mukidah atendem numa das lojas desta rua de Esturro. “Manda mais três pessoas”, orienta o homem de origem indiana que diz ser o proprietário. Está na casa dos 20 anos e está na Beira há apenas um. Como quase todos os estabelecimentos grossistas, esta loja não tem nome visível na fachada. Uma fila que se estende atesta a sua popularidade.
Febre e Mukidah não abandonam o balcão, nem as duas taças cheias de moedas para acelerar o troco, nem o fluxo constante de clientes. Estão ali para serem o primeiro elo da cadeia da transacção comercial — ouvem o pedido do cliente e repetem-no em voz alta aos ajudantes que, de dentro da loja, trazem os produtos. E para receber o pagamento.
Navsha Nulani, moçambicana de 14 anos — dez deles vividos na Beira —, afasta com um “fechado, fechado”. Português fala “pouco, pouco”, inglês, nada. A loja está fechada porque estão a receber mercadoria de uma camioneta. Uma grande quantidade de caixas de bolachas de água e sal vão entrando, carregadas ao ombro.
A Afrimo é uma empresa angolana, onde Mansur Amir, nascido na Beira, filho de imigrantes indianos, explica que ainda não receberam mercadoria nova. “Estamos a receber directamente de Angola e do Paquistão. O que vem fora não falta, falta o que é local”, explica.
O retalhista Ismail Gani, da Casa Simões, explica há rutura de stock das placas de lusalite, mais resistentes e pesadas que as chapas de alumínio, porque “a única fábrica danificou-se muito”.
“Água e comida não há falta no mercado”, garante. As três fábricas de água mineral, da popular e omnipresente Vumba, estão a funcionar. Há falta, isso sim, de farinha de milho, porque a principal fábrica está em Manica e a Nacional 6 que liga Moçambique à Beira esteve interrompida durante uma semana.
A especulação pós-ciclone começa a reduzir-se. Com o retomar da ligação terrestre, os preços começaram a baixar, “porque entrou produto”.