Sorria, está a ser filmado. Tecnologia portuguesa para sair da loja sem ir à caixa

Com o sistema da Sensei, câmaras registam o que os clientes levam para casa e as empresas recebem mais informação. A tecnologia levanta algumas questões laborais, mas a empresa garante que não quer lojas sem pessoas.

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Joana Rafael, co-fundadora da Sensei, demonstra a tecnologia Miguel Manso

Criar lojas sem filas, ao substituir as caixas de pagamento por câmaras e algoritmos. Essa é a visão da Sensei, uma startup portuguesa que desde 2017 está a desenvolver aquilo que descreve como um “sistema de retalho inteligente” para diminuir o tempo que as pessoas esperam para sair de uma loja depois de ter as compras feitas. A tecnologia deve chegar aos clientes ainda este ano.

O PÚBLICO foi experimentar uma pequena loja de demonstração a funcionar em Lisboa. Só se entra com o telemóvel. É o aparelho que abre as portas depois de se apontar a câmara a um código electrónico, ou fazer o registo no site da empresa. Entra-se, retiram-se os produtos das prateleiras, e sai-se. Enquanto se está na loja, várias câmaras registam os movimentos do utilizador (na loja em Lisboa, com prateleiras a revestir duas das paredes, havia mais de dez câmaras no tecto).

À saída, o pagamento é debitado automaticamente do cartão de crédito associado à aplicação da Sensei. Em segundos, o utilizador recebe o recibo no telemóvel (que detalha o que comprou e o que gastou) e a loja recebe informação sobre os produtos em falta, fora do lugar, ou que estão a gerar interesse junto dos clientes. Por exemplo, o creme para barrar que foi tirado e posto de novo da prateleira por muitas pessoas. 

“Diariamente quase todos precisam de ir às compras, mas perdem-se horas em filas. É um peso enorme para a economia e para a vida das pessoas. Nós queremos devolver essas horas. Especialmente numa era em que sentimos que precisamos de mais tempo”, resume ao PÚBLICO Vasco Portugal, fundador e director executivo da Sensei. Diz que o objectivo da empresa é “digitalizar empresas físicas”.

A tecnologia da Sensei baseia-se em visão computacional, um campo da inteligência artificial que treina computadores para interpretar e entender o mundo visual. É uma tecnologia que é muito usada, por exemplo, nos carros autónomos. Nas lojas, a informação pode ser retirada de câmaras de vigilância já instaladas. 

No começo de 2018, o projecto angariou um investimento de meio milhão de euros da incubadora norte-americana TechStars, da Sonae IM (um braço de investimento do grupo Sonae, que é também dono do PÚBLICO), do grupo germânico de retalho Metro Group, e de vários investidores individuais.

Mudar os hábitos

O caminho para lojas sem empregados nas caixas registadoras em Portugal pode ser longo, diz ao PÚBLICO Miguel Faias, gestor de retalho na GfK, uma analista de mercado: “Não se prevê que o modelo se torne popular a curto prazo, porque não é uma prioridade para as marcas actuais.” 

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Sem telemóvel, não se entra Miguel Manso

Há que considerar os hábitos da população. “Portugal é um país com uma faixa etária muito envelhecida”, nota Faias. Dados de 2019 da Euromonitor International mostram que Portugal ocupa a quinta posição na lista de países mais envelhecidos do mundo (à frente só mesmo o Japão, Itália, Grécia, e Finlândia). “Isso é uma franja da população que se torna mais alheia a novidades do digital. Para muitos, o único recurso é ir mesmo à loja”. Por outro lado, diz Faias “é verdade que os portugueses se adaptam muito rapidamente. É uma população muito sensível ao preço. Se a mudança implicar um preço mais atractivo, é mais fácil.”

Do lado dos retalhistas, o objectivo da Sensei é dar mais dados às lojas para poderem melhorar a estratégia de venda. “Há um vazio muito grande desde que um produto entra na loja e sai depois na caixa”, diz Vasco Portugal.

Com a Sensei, todas as imagens captadas em loja são convertidas em dados sobre interacções. Numa plataforma de demonstração apresentada ao PÚBLICO, enquanto um cliente navega pela loja surge informação no ecrã em tempo real sobre o que está a ser feito (“Robert de Niro [é um nome de código] interagiu com Nutella na Demo Store”). No produto final, porém, a equipa diz que o retalhista não vai ter acesso a quaisquer imagens – serão automaticamente apagadas depois de convertidas em dados –​​​, nem vai saber o nome ou quaisquer outros detalhes dos clientes.

“A loja recebe apenas dados agregados de produtos com que os clientes interagiram”, explica ao PÚBLICO Joana Rafael, gestora de operações e co-fundadora da Sensei. Diz que a informação é fundamental para resolver os problemas do comércio tradicional, face ao digital.

Apesar do crescimento do comércio online, feito através da Internet, relatórios de analistas como a Deloitte e a eMarketer notam que mais de 90% das compras vêm de lojas físicas. “Grande parte do retalho ainda é feito nas chamadas ‘brick and mortar’… Lojas de cimento. Só que várias cadeias e lojas estão a fechar, porque não conseguem ter a mesma eficiência que as lojas online”, diz Joana Rafael. “O posicionamento de um produto na prateleira tem um grande impacto naquilo que é a venda. E nós vamos fornecer esses comportamentos ‘macro’ ao retalhista”.

Em 2019, a tecnologia da Sensei está a ser testada na loja de laboratório de Lisboa, com o apoio das equipas de gestão dos grupos Metro e Sonae, que estão a investir na tecnologia. Em Portugal, as marcas do grupo Sonae incluem o Continente e a Go Natural. Numa fase muito inicial, também foi explorado um projecto-piloto na alfaiataria Dielmar, no Centro Comercial Amoreiras, que pertence à família de Joana Rafael.

“O que nós fazemos nestas lojas são apenas dados de treino e não são gravados, ou usados para coisa alguma”, frisa Rafael que as descreve como “laboratórios reais”. E acrescenta: “Obviamente, quando abrirem lojas Sensei, os clientes vão ser informados, vão ter de aceitar os termos e condições do serviço.”

Lojas sem empregados?

Em Portugal já há alguns serviços de retalho a funcionar sem empregados. “Nos grandes centros urbanos em Portugal, no Porto e em Lisboa, e em algumas cidades do litoral, já existem pequenas lojas de conveniência, abertas 24 horas por dia, sete dias por semana, como a Grab and Go”, lembra ao PÚBLICO Vera Maia, especialista em marketing digital e fundadora da empresa de consultoria TSe (Tudo sobre eCommerce). “Podemos também encontrar lavandarias e outro tipo de negócios que permitem o self-service do cliente”

Maia partilha a opinião de Miguel Faias, da GfK, sobre a proliferação deste tipo de serviços: “Em Portugal o contacto físico e humano continua a ser de extrema importância, pelo que não prevejo que esta realidade se torne mainstream num futuro próximo.”

A Sensei diz que não quer criar lojas sem empregados. “A questão de a tecnologia provocar o fim de alguns empregos é uma questão transversal a muitas áreas”, diz Vasco Portugal. “O que queremos é substituir trabalho de desgaste mecânico e que ninguém gosta de fazer.” 

A equipa compara a tecnologia a serviços como os da Amazon Go, nos EUA, e à Bingo Box, na China, lojas com poucos ou nenhuns empregados, que também usam sensores e visão computacional para perceber o que está a ser retirado da prateleira.

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A tecnologia é comparada à da Amazon Go Lindsey Wasson/Reuters

No caso da Bingo Box, na China, as câmaras até vêm equipadas com reconhecimento facial, para resolver eventuais furtos. É uma tecnologia que a startup portuguesa diz não ter planos para incluir. “Até os nossos servidores vão estar em loja. Não queremos que os vídeos saiam do perímetro da loja por uma questão de privacidade”, esclarece Vasco Portugal.

Para a equipa, uma das vantagens face a outras empresas fora da União Europeia, para clientes preocupados com a privacidade, é o Regulamento para a Protecção de Dados (RGPD). Desde que entrou em vigor em Maio de 2018, tornou-se possível um cliente pedir a uma empresa para revelar todos os dados que tem sobre si, apagar esses dados, e rever decisões feitas por programas informáticos.

Vera Maia, da consultoria TSe, nota, porém, que a preocupação com a privacidade ainda é “bastante reduzida” junto dos portugueses, e que a grande barreira – nas lojas sem filas – é garantir que não se perde o contacto humano.

“Nós não queremos lojas sem pessoas a trabalhar”, insiste Vasco Portugal. Diz que não seria lucrativo para os retalhistas. “Os clientes estão sempre a procurar pessoas a quem possam pedir ajuda”, diz. “Se puderem eliminar algo, é o tempo que passam a esperar em caixas.”

São várias as câmaras na pequena loja de demonstração em Lisboa Miguel Manso
Joana Rafael mostra como basta entrar, tirar os produtos que se quer, e sair Miguel Manso
O cliente pode ver o recibo na aplicação da Sensei Miguel Manso
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São várias as câmaras na pequena loja de demonstração em Lisboa Miguel Manso

Artigo corrigido: Clarificado que a tecnologia está a ser testada numa loja de laboratório da Sensei, e não nas lojas dos investidores.

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