Leonor Espinosa e a comida mágica da Colômbia
Já considerada a Melhor Chefe Mulher da América Latina, a colombiana Leonor Espinosa esteve na Corunha para mostrar os ingredientes indígenas da Amazónia que são a base sua cozinha.
Leonor Espinosa, mais conhecida como Leo, vem de uma “terra de cozinha e de contos”. Por isso, começa a sua apresentação no Fórum Gastronómico da Corunha, que aconteceu entre 10 e 12 de Março, lendo um mito da criação do mundo tal como o vêem os povos indígenas da Colômbia.
“É muito difícil contar histórias de um país como a Colômbia, que para muitos é desconhecido”, confessa. “Nós não somos Pablo Escobar.” Quer falar, sim, “do nosso mundo indígena, da nossa sabedoria, da nossa culinária ancestral”. É isso que está por trás dos pratos criados por esta mulher, que tem em Bogotá dois restaurantes, o Leo e o Mísia, e que foi considerada, em 2017, a Melhor Chefe Mulher da América Latina, pelo The World’s 50 Best Restaurants.
Tal como Alex Atala fez no Brasil, dando uma projecção global aos ingredientes da Amazónia, Leonor olhou para as tradições do seu país, foi aprender com as mulheres indígenas e disse aos colombianos que deviam sentir-se orgulhosos da sua cozinha. “A Amazónia é um território que não tem limites, uma cosmovisão única”, diz.
Para o Fórum Gastronómico da Corunha, Leo levou alguns dos ingredientes dessa Amazónia sem limites. Por exemplo, uma semente de macambo, “da família do cacau”, que algumas comunidades indígenas moem, mas da qual Leo retira um leite vegetal, que vai transformar numa espécie de queijo. Parece uma fava, mas seca num forno de lenha — “toda a vida amazónica funciona em redor de um forno de lenha” — e tem um ligeiro sabor fumado que a torna deliciosa.
Levou também uma larva, o mojojoy, que se alimenta das palmeiras e, portanto, “sabe a palmito fresco, com uns toques de trufa”. O que a chef faz é desidratá-la lentamente e usar o interior — que, confirmamos quando ela o faz passar pela assistência, tem um curioso sabor a fruto seco — para fazer um “azeite” (é necessária uma grande quantidade de larvas para uma pequena porção de “azeite”).
“É preciso abrirmos o paladar a estes mundos de sabores”, declara, antes de nos fazer passar pelas mãos um fruto que parece uma ameixa grande, do qual arrancamos um bocadinho para descobrir um outro sabor, difícil de descrever, no qual a doçura da fruta se mistura com uma acidez e uma salinidade que, explica Leo, vem da terra. Deste fruto, ela usa um doce que é feito pelas mulheres indígenas, que lhe misturam mel de cana. “Geralmente, no restaurante fazemos tudo de raiz”, diz, mas neste caso optaram por usar um produto comprado porque entendem que é uma forma de “conectar estes territórios invisíveis” dos povos da Amazónia.
Por fim, faz passar entre a assistência uma taça com mambe, um pó forte e amargo feito a partir das folhas de coca e que é considerado sagrado por, acredita-se, permitir a comunicação com os espíritos. Ela mistura-o com manteiga e com farinha de trigo, formando uma pasta que é levada ao forno e transformada em pepitas crocantes.
Leonor, que se formou em Artes Plásticas e trabalhou em publicidade antes de se dedicar à cozinha, entende que o seu trabalho vai muito além do que serve nos restaurantes. É uma forma, por um lado, de afirmar o papel das mulheres num mundo dominado por homens (e esse foi também tema de uma das mesas redondas do Fórum Gastronómico da Corunha, que este ano convidou uma série de “cozinheiras do Atlântico”, entre as quais a portuguesa Marlene Vieira).
Mas, e voltando à Colômbia, a cozinha de Leonor Espinosa é também uma forma de ajudar e dar visibilidade às comunidades mais pobres do seu país. Para isso, criou a Funleo, que tem à frente a sua filha, Laura, e como objectivo “identificar, reivindicar e potenciar as tradições gastronómicas das comunidades colombianas a partir do seu património biológico, cultural e imaterial”.
No restaurante Leo, o menu chamado Ciclo-Bioma propõe-se revelar, em Bogotá, toda a diversidade dos ecossistemas colombianos — um “mapa das espécies” que Leonor tem vindo a construir nas suas viagens pelo país, das “formigas que sabem a limão” a “um roedor que sabe a porco”. Para acompanhar, e dado que a Colômbia não tem tradição vinícola, há uma variedade de fermentados de frutas.