Próximas semanas serão cruciais para salvar o país da seca severa
O país irá enfrentar no próximo Verão um novo ciclo de escassez de água se não chover nos próximos dois meses, mas as perspectivas de forte precipitação não são animadoras.
No mês de Janeiro de 2019, as corporações de bombeiros de vários concelhos, realizaram 179 operações de abastecimento de água às populações, com maior incidência em Miranda do Douro (41), Mértola (35), Barcelos (15), Mirandela (12) e Miranda do Corvo (11). Os distritos de Bragança (68 abastecimentos), Beja (49) e Braga (17) foram os que registaram o maior número de intervenções que prosseguiram ao longo do mês de Fevereiro.
Dados do Relatório de Monitorização Agrometeorológica e Hidrológica (RMAH), publicado em Janeiro, referem que se trata de um valor que representa um aumento de 49% por comparação com o mês de Dezembro de 2018, ano em que cerca de 80% do território nacional chegou a estar em seca severa ou extrema,
A situação poderá agravar-se e se “não chover com alguma abundância nos meses de Abril e Maio, estamos mal”, admite Filipe Duarte Santos, especialista na área das alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS), acrescentando que os meses de Janeiro e Fevereiro foram “muito secos”.
Na análise que faz, Filipe Duarte Santos salienta que, a curto prazo, “não há grandes perspectivas de forte precipitação” dando conta de uma realidade que se julgava associada apenas aos meses de Verão: “Há povoações em Portugal que em Janeiro e Fevereiro foram abastecidas por camiões cisterna.” E daqui parte para uma apreciação crítica: “Não sei como será o futuro mas não será muito promissor, se as pessoas continuarem centradas nas suas necessidades a curto prazo.”
“As alterações climáticas são muito claras”, analisa o presidente do CNADS exemplificando com o decréscimo de precipitação atmosférica entre 1960 e 2010. O país assistiu a uma redução média entre 30 e 40 milímetros de precipitação anual em cada década “uma tendência de descida que parece uma escada”. É um valor significativo, ou seja, 200 milímetros de chuva em meio século, que tem um peso significativo, sobretudo, no interior do Alentejo onde a precipitação média anual era, antes desta redução, de 500 milímetros. “E não há indicação que esta tendência se venha a alterar, se não cumprimos o acordo de Paris”, constatação que deve obriga-nos a encontrar “novos conceitos de prosperidade”, observa Filipe Duarte Santos.
A ciência e a tecnologia são para este investigador “cruciais” para mudar de paradigma no uso que se está a fazer dos recursos hídricos, advogando a necessidade de poupar água, defendendo até a utilização da água urbana (efluentes domésticos) depois de tratada. A este propósito socorre-se do caminho seguido em Israel onde se utilizam, para rega, cerca de 86% das águas urbanas tratadas. Em Portugal as informações que recolheu indicam-lhe que este valor será de apenas 1% ou 2% “quando já o deveríamos estar a fazer de uma maneira sistemática” frisando que Portugal é um dos países da região mediterrânica mais vulneráveis à seca, “onde os impactos são mais gravosos.”
Estas apreensões são partilhadas por Mário de Carvalho, professor e investigador na Universidade de Évora (UE). “Temos de incluir as alterações climáticas na gestão do nosso território” cujos efeitos não se combatem “gastando verbas avultadas na construção de barragens” que estarão sempre longe de suprir as necessidades agrícolas.
“Quando se fala de alterações climáticas em Portugal a solução passa por construir barragens” critica o docente da UE, lembrando que a capacidade hidrológica no norte do país “apenas sustenta 20% da sua área agrícola com base no regadio. No Alentejo, fica pelos 10%”.
Para evitar a chamada seca hidrológica as barragens “só enchem” depois de o solo estar encharcado a ponto de provocar escorrências para as linhas de águas que sustentam o caudal que aflui às albufeiras, esclarece Mário de Carvalho. Defensor dos sistemas agro-silvo-pastoris que considera fundamentais para garantir a ocupação e gestão do território, adverte para a “variabilidade do nosso clima” pelas dificuldades que impõe à “sustentabilidade dos sistemas agrícolas, que serão agravadas pelas alterações climáticas” que já se revelam incontornáveis, tanto o sul da Europa como o norte de África.
“O clima está a mudar mais no sul do país onde temos menos precipitação” analisa Filipe Duarte Santos, dando conta que as ondas de calor, secas e eventos de precipitação intensa em intervalos de tempo curtos “estão a tornar-se mais intensos e frequentes”.
Numa recente deslocação a Beja, onde se deslocou para presidir à reunião do Conselho para o Acompanhamento do Regadio de Alqueva (CAR Alqueva), o ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos, comparou a situação actual da seca com a que ocorreu há um ano atrás e concluiu que a realidade “é substancialmente melhor”.
O governante manifestou a sua preocupação por aquilo que definiu como o “espectro da seca” que continua a pairar sobretudo no sul do país. É um dado adquirido que o nível de precipitação atmosférica que atingiu 77% do que é normal para a época, coloca interrogações quanto à capacidade de algumas albufeiras poderem vir a suprir as necessidades de água para rega.
Mesmo assim Capoulas Santos acredita que, na Primavera que se aproxima, a chuva virá com a abundância necessária, como aconteceu em Abril de 2018.
Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), mais de metade do território do continente está em seca moderada (38% em seca fraca e 5% em seca severa). O mês de Janeiro foi um dos mais secos dos últimos 19 anos. “Estamos a ficar com o clima próximo de Marrocos, da Argélia ou da Tunísia e o Algarve está na linha da frente” sintetiza o presidente do CNADS, reafirmando a sua convicção de que o clima em Portugal “está em mudança”.