Robert Mueller entregou relatório final da investigação Trump-Rússia

Documento foi entregue esta sexta-feira ao attorney general, que decidirá que partes podem ser conhecidas pelo Congresso e pelo grande público.

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Robert Mueller Reuters/Larry Downing

Robert Mueller, o procurador norte-americano que investiga as suspeitas de conspiração entre a campanha de Donald Trump e a Rússia nas eleições presidenciais de 2016, entregou esta sexta-feira o seu relatório final ao representante máximo do Departamento de Justiça. Agora, cabe ao attorney general decidir que partes do documento devem ser enviadas para o Congresso, e se o grande público poderá vir a conhecê-las.

Na notificação enviada ao Congresso esta sexta-feira, o attorney general, William Barr (um misto de procurador-geral e ministro da Justiça), disse que espera enviar ainda este fim-de-semana as “principais conclusões” do relatório aos líderes das comissões de Justiça do Senado e da Câmara dos Representantes.

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Carta enviada pelo attorney general ao Congresso

Mas o Departamento de Justiça não tem nenhum prazo para entregar esse resumo do relatório ao Congresso, e a lei permite-lhe apenas notificar o Senado e a Câmara dos Representantes de que o procurador especial já concluiu as suas investigações. Ainda assim, William Barr já disse que pretende partilhar “o máximo possível” com o Congresso e também com o grande público, embora não seja obrigado a fazê-lo.

Na semana passada, a Câmara dos Representantes aprovou, por unanimidade, uma moção para que o relatório seja tornado público. Essa decisão não é vinculativa, mas o facto de todos os congressistas – do Partido Democrata e do Partido Republicano – terem votado a favor, indica que o attorney general tem uma enorme pressão política em cima dos ombros para divulgar as principais conclusões do procurador Mueller.

Por seu lado, o Partido Democrata já disse que quer receber o relatório na íntegra, já que só assim poderá avaliar se há, ou não, razões para iniciar um processo de impeachment. Se o Departamento de Justiça mantiver a intenção de apenas entregar ao Congresso as “principais conclusões”, é possível que o processo se atrase ainda mais com queixas em tribunal.

Também ninguém sabe se o Presidente norte-americano terá acesso ao relatório – como superior do responsável máximo do Departamento de Justiça, pode legalmente pedir o relatório do procurador Mueller, mas isso seria mais uma machadada na tradição de independência dos investigadores criminais em relação à Casa Branca.

Dois anos de “caça às bruxas"

Há quase dois anos, quando o Presidente Donald Trump abalou a política norte-americana ao despedir o então director do FBI, James Comey, poucos na Casa Branca esperariam que fosse o próprio Departamento de Justiça a carregar a fundo no acelerador da investigação às suspeitas de interferência da Rússia nas eleições presidenciais de 2016 – ou, como lhe chama o Presidente norte-americano, a “caça às bruxas”.

Mas foi isso mesmo que aconteceu: oito dias depois de Comey ter sido afastado do FBI, a 9 de Maio de 2017, o número dois do Departamento de Justiça, Rod Rosenstein, que tinha sido confirmado no cargo há apenas duas semanas por indicação do Presidente Trump, entregou a investigação mais sensível das últimas décadas nos EUA a Robert Mueller – um antigo director do FBI com uma reputação à prova de bala tanto no Partido Republicano como no Partido Democrata.

Essa decisão enfureceu o Presidente Trump, que na altura já estava irritado com o então número um do Departamento de Justiça, o attorney general Jeff Sessions. Ao anunciar o seu afastamento voluntário da investigação, por se ter reunido com o embaixador russo em Washington durante a campanha eleitoral de 2016, Sessions abriu caminho à decisão do seu adjunto de nomear Robert Mueller como procurador especial – uma decisão que viria a marcar para sempre o curso da investigação.

Nos últimos 22 meses, Mueller e a sua equipa de experientes procuradores levantaram as pedras que escondiam comportamentos suspeitos, falhas éticas e crimes cometidos por dezenas de pessoas relacionadas, mais ou menos directamente, com a campanha de Donald Trump e com o Governo russo, seis delas próximas do Presidente norte-americano.

Entre as 34 acusações deduzidas pela equipa do procurador Mueller não há nenhuma por conluio com a Rússia ou obstrução da Justiça – as duas suspeitas mais graves e que fazem os críticos de Trump sonharem com um processo de impeachment.

Vários agentes russos foram acusados de interferência nas eleições de 2016, por roubo de documentos confidenciais dos servidores do Partido Democrata, mas nenhum deles será julgado nos EUA porque os dois países não têm acordos de extradição.

E os mais próximos de Donald Trump, como o seu antigo director de campanha, Paul Manafort, e o seu antigo advogado, Michael Cohen, foram condenados por crimes cometidos nas suas actividades profissionais, relacionados com fraude fiscal e bancária.

Cohen e Manafort foram também acusados de mentirem ao FBI e ao Congresso norte-americano, sob juramento, mas isso não prova as suspeitas de que houve um conluio entre a campanha de Donald Trump e a Rússia nas eleições de 2016.

Impeachment?

O maior interesse do relatório que foi entregue esta sexta-feira ao attorney general é saber se o procurador Mueller tem, ou não, fortes indícios de que o próprio Presidente norte-americano – ou algum dos seus familiares, por exemplo – participou numa conspiração com a Rússia, ou se tentou travar as investigações a essa suspeita.

E, mesmo que os investigadores não tenham encontrado fortes indícios contra Trump, Mueller pode comentar no relatório a parte da investigação que recaiu sobre o Presidente, o que teria implicações políticas imprevisíveis, porque daria munições ao Partido Democrata para manter bem vivas as suas suspeitas e acusações numa altura em que se aproxima a campanha para as eleições de 2020.

Mas não é isso que se espera de Robert Mueller, conhecido por seguir as leis e as orientações gerais com empenho. É provável que o relatório de Mueller seja muito mais seco e objectivo do que o relatório do procurador especial Kenneth Starr, que investigou o Presidente Bill Clinton na década de 1990.

A partir de agora, a reacção do Partido Democrata ao relatório do procurador Mueller vai ser marcada, também, pelo cálculo político. A poucos meses do início da campanha para as presidenciais de 2020, os principais candidatos do Partido Democrata e os seus congressistas e senadores terão de fazer um exercício difícil: se o relatório levantar suspeitas contra o Presidente norte-americano, mas não apresentar provas, interessará aos democratas lançar um processo de impeachment?

Para que isso aconteça, não é preciso que Trump seja acusado de qualquer crime – aliás, é política do Departamento de Justiça que um Presidente em exercício não deve ser acusado nem responder em tribunal.

O processo de impeachment é outra coisa, e passa-se apenas no Congresso: começa na Câmara dos Representantes, com uma maioria simples, e acaba no Senado, que actua como tribunal e precisa de uma maioria de dois terços para destituir o Presidente.

Em toda a história dos EUA, nunca um Presidente foi efectivamente destituído: Andrew Johnson (1867) e Bill Clinton (1999) foram os únicos que tiveram de responder a processos de impeachment abertos pela Câmara dos Representantes, mas ambos foram absolvidos pelo Senado. O Presidente Richard Nixon resignou quando já era certo que a Câmara dos Representantes iria abrir um processo, em 1974.

Mas não é certo que seja do interesse do Partido Democrata abrir um processo de impeachment contra Donald Trump, mesmo que no relatório de Robert Mueller haja margem para que as suspeitas se mantenham ou saiam reforçadas.

Por um lado, ainda que o Partido Democrata tenha votos suficientes para abrir um processo na Câmara dos Representantes, é quase garantido que a maioria do Partido Republicano no Senado vai travar a destituição do Presidente; por outro lado, Trump pode sair reforçado de um processo de impeachment em que o Partido Democrata é o derrotado, e ganhar ainda mais fôlego para as eleições do próximo ano.

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