Sem barcos para alugar, só resta à Transtejo reparar os velhos

Reforço da frota passa pela colocação de máquinas novas em barcos usados. Três já estão no estaleiro mas deviam ser dez

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nfs nuno ferreira santos

A solução encontrada pela administração da Transtejo para tentar garantir a operacionalidade da frota de barcos que fazem o transporte fluvial no Tejo até que comecem a chegar, em 2021, as novas embarcações encomendadas, é a remaquinação de navios usados da própria empresa, apurou o PÚBLICO.

Neste momento há três barcos, todos da classe Algés, em processo de remaquinação – colocação de novas máquinas, motores de navio -, dois barcos estão já a ser equipados e um terceiro aguarda que chegue a respectiva máquina também encomendada. Os barcos que estão a ser remotorizados são o Cesário Verde, o e o Campolide, não sendo conhecida data para que possam voltar a estar operacionais.

A aposta na recuperação de embarcações da frota da Transtejo surge como a única opção viável depois de a empresa não ter conseguido encontrar navios para alugar, como a presidente do conselho de administração, Marina Ferreira, disse em Março do ano passado.

André Pinotes Batista, presidente da Assembleia Municipal do Barreiro e deputado do PS na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, confirma que a empresa não encontrou embarcações para alugar.

“O fretamento era a primeira medida mitigadora mas concluiu-se que não há barcos para alugar. A procura é tal que a Transtejo também tem recebido pedidos para fretar os seus barcos”, disse Pinotes Batista ao PÚBLICO.

Os sindicatos do sector também confirmam que não chegou entretanto qualquer embarcação alugada porque não há oferta no mercado.

“O fretamento de navios não se concretizou porque não se encontram empresas com embarcações adequadas, em termos de tipologia, e disponíveis, nem se perspectiva que haja essa possibilidade a curto prazo”, disse ao PÚBLICO Frederico Pereira, da Federação dos Sindicatos Transportes e Comunicações (FECTRANS) e do Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pescas (SIMANEVIP).

O sindicalista aponta a manutenção como a única alternativa para a frota de barcos no Tejo manter-se minimamente até à chegada dos novos navios, mas sublinha que as reparações em curso são insuficientes e que as verbas previstas pelo Orçamento de Estado (OE) é menos de um terço do valor de investimento necessário.

“Estão em reparação profunda três barcos, entre intervenções nos cascos e máquinas novas, mas esta intervenção devia abranger um total de dez navios, seis da classe Algés e quatro da classe São Julião” pelo que os cerca de 1,2 milhões de euros previstos no OE para manutenção são um montante “manifestamente insuficiente”, refere Frederico Pereira. O responsável sindical estima que a verba necessária seria “talvez o triplo” do valor orçamentado.

A Comissão de Utentes de Transportes da Margem Sul (CUTMS), também defende a aposta na reparação da frota. “Até chegarem os novos barcos, o património mais seguro são os barcos da empresa. Achamos que é fundamental o reforço da manutenção, porque é o mais seguro. Não temos nada contra aluguer de barcos, mas não havendo, a empresa deve voltar-se para dentro e apostar na manutenção. Quer com contratação de pessoal de manutenção quer no reforço de orçamento para compra de peças e serviços”, disse ao PÚBLICO Marco Sargento desta comissão.

Utentes e autarcas preocupados

O futuro imediato da frota da Transtejo preocupa os utentes, que apontam as falhas recorrentes nas carreiras e horários e avisam para o risco de agravamento do problema com o previsível aumento da procura a partir de dia 1 de Abril.

Sem o número suficiente de embarcações, qualquer falha nos barcos ao serviço corresponde a supressão de carreiras e ao não-cumprimento de horários pelo que “a travessia faz-se em condições muito deficientes, sem garantias para os passageiros”, diz Frederico Pereira.

“No fim-de-semana a pressão é menor e esta segunda-feira não houve falhas, mas na semana passada houve, e nas anteriores também. Quase todas as semanas há problemas, sobretudo carreiras suprimidas, e atrasos”, relata o sindicalista.

Marco Sargento, da comissão de utentes, admite que “há uma muito ligeira melhoria na frequência dos barcos e no cumprimento dos horários, mas continua a haver supressões, atrasos”, de forma que “o serviço continua muito incerto”.

A frota, considerada velha, tem embarcações com idades entre os 25 e os 40 anos, e “é notória a falta de manutenção, de forma que um navio que trabalha de manhã à tarde já não funciona”, ilustra este utente.

Essa incerteza leva utentes, sindicalistas e autarcas a duvidarem da capacidade do transporte fluvial para acompanhar a previsível procura. “Com os novos passes e maior atractividade, como vai ser a resposta com o aumento da procura, se já hoje não se consegue? Termos transportes mais baratos é óptimo mas depois não há meios para responder”, receia Frederico Pereira.

“A irregularidade é um transtorno muito grande para os utentes e um sinal contrário ao que se pretende com o novo passe metropolitano. As pessoas que estão tentadas a aderir aos transportes públicos agora, quando forem apanhadas por duas falhas dos barcos, desistem”, afirma Marco Sargento.

De acordo com a FECTRANS, o número de navios em cada linha continua a não contar com barcos de reserva, suplentes. “A frota da Soflusa são sete navios, quando para esta carreira seriam necessários nove”, exemplifica Frederico Pereira.

O ministro do Ambiente e da Transição Energética fala noutra quantidade de navios nesta linha e garante que os utentes vão ter transportes públicos em número suficiente e mostra não estar preocupado com o aumento da procura.

“Estamos a cuidar do reforço da oferta em todo o país, particularmente nas empresas que dependem de nós. No dia 1 de Abril, sendo necessário para fazer o serviço ideal da Soflusa seis navios, vão estar sete disponíveis, sendo necessário sete da Transtejo, vão estar nove disponíveis”, disse João Pedro Matos Fernandes na segunda-feira, na assinatura dos contratos para o passe Navegante.

A Transtejo transporta nove milhões de passageiros por ano, a Soflusa oito milhões, e, em conjunto, empregam cerca de 440 pessoas.

Segundo os dados da Transtejo e Soflusa, de Novembro de 2018, a frota da Transtejo é de 15 navios (7 catamarãs, 2 ferrys, 5 cacilheiros e navio São Jorge) estando apenas oito operacionais (5 catamarãs, 1 ferry, 1 cacilheiro e o navio São Jorge), e a frota da Soflusa é de 11 barcos, sete dos quais operacionais.

Orçamento não chega

Nos últimos cinco anos, quanto a investimento em manutenção nos barcos do Tejo, 2015 foi o pior ano e 2016 o melhor.

A despesa com manutenção da frota foi de 7,3 milhões em 2014 (3,1 na Transtejo e 4,2 na Soflusa), 4,3 milhões em 2015 (1,8 TT e 2,5 SL), 16,6 milhões em 2016 (14,1 TT e 2,5 SL), 6,2 Milhões em 2017 (2,6 TT e 3,6 SL), e de 10,4 em 2018 (6 milhões na TT e 4,4 na SL).

A execução orçamental anual com reparações na Soflusa tem sido mais constante, sempre entre os 2,5 e os 4,5 milhões, enquanto na Transtejo verificam-se grandes variações de investimento, que vão de 1,8 milhões em 2015 a 14 milhões no ano seguinte.

No ano passado o orçamento era de 8,7 milhões e foi executado em 69%, tendo-se registado um total de despesa de quase seis milhões de euros. Para este ano, o Orçamento de Estado prevê 11,2 milhões para ambas as frotas.

Segundo explicou o Governo, no debate do orçamento no Parlamento, há uma previsão de despesa com a Transtejo de 5,4 milhões de euros para manutenção e 1,6 milhões de euros para “associados a aquisição de bens para incorporação nas reparações”, e com a Soflusa de 4,2 milhões para serviços de manutenção incluindo intervenções nos motores dos navios da classe Damen.

Além de estes valores anunciados não terem correspondência nas rubricas respectivas dos mapas orçamentais, o PCP diz que são “claramente insuficientes”, pelo que apresentou uma proposta de alteração orçamental para um reforço de verba de 5,25 milhões de euros, 3,78 para a Transtejo e 1,47 para a Soflusa.

“Há um conjunto de barcos, pelos menos três ou quatro, que estão acostados na doca da Lisnave que podiam ser recuperados e é essencial o reforço de pessoal porque há uma insuficiência gritante em todas as áreas”, disse Bruno Dias ao PÚBLICO. O deputado comunista refere ainda que “é preciso reforçar a aquisição de navios porque só os 10 anunciados não chegam para o futuro”.

Bruno Vitorino, vereador no Barreiro e deputado do PSD na Assembleia da República, alerta ainda para o problema das cativações. “O que interessa a verba estar no orçamento quando depois é cativada?”, questiona. O parlamentar, que não vê outra hipótese “a não ser a reparação da frota”, aponta o dedo ao governo PS.

André Pinotes Batista, deputado do PS, culpa o governo de Passos Coelho pelo desinvestimento na manutenção dos barcos. “O investimento actual, anunciado por António Costa, de 91 milhões de euros, é muito superior ao que foi feito pelo governo anterior e, além da compra de barcos novos, inclui 30 milhões para grandes intervenções de manutenção”, refere.

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