Maddie, um caso sem fim
Quase 12 anos depois do desaparecimento da menina britânica, um dos mais mediáticos em Portugal e no mundo, o Netflix apresenta um documentário que sintetiza a informação disponível, incluindo entrevistas com peritos e acusados.
Por vezes, basta uma pista para encontrar uma criança desaparecida há anos. É com esta mensagem de esperança, e com a certeza de que “alguém sabe o que aconteceu”, que se fecha a série documental O Desaparecimento de Madeleine McCann, uma produção do Netflix que se estreou na semana passada. E é com um pedido de apoio que a série começa: “Se tiver alguma informação sobre o desaparecimento de Madeleine McCann, por favor contacte a Polícia Judiciária ou a Metropolitan Police”. Ao longo dos oito episódios, há outra questão que não abandona o ecrã: o que aconteceu a Madeleine McCann?
A pergunta fica sem resposta, como se sabe, mas o que o documentário faz é ouvir exaustivamente detectives (como Gonçalo Amaral, que teve uma relação tumultuosa com os McCann), testemunhas, peritos, jornalistas (como Sandra Felgueiras), ou acusados, tentando reconstruir o momento do desaparecimento da criança britânica, a 3 de Maio de 2007, passo a passo. Às entrevistas, juntam-se imagens da família McCann, reconstituições, imagens de arquivo, novas informações da polícia.
Os pais de Madeleine McCann, Gerry e Kate, não aceitaram falar no documentário. “Não vemos como este programa pode ajudar a procurar a Madeleine, e tendo em conta que há uma investigação policial em curso, até a pode prejudicar”, referem num curto comunicado publicado online, no site criado para divulgar informação que possa ajudar a encontrar a criança.
A série documental foi realizada pelo norte-americano Chris Smith, o mesmo que produziu o documentário Fyre (sobre o fiasco do festival com o mesmo nome) e que foi nomeado para um Emmy pelo seu documentário Jim & Andy, que acompanha a forma como Jim Carrey interpretou a personagem do humorista Andy Kaufman no filme Homem na Lua.
Da parte do Netflix, pouca informação foi revelada sobre o que motivou a criação do documentário. Para o realizador, foi uma oportunidade de apresentar o desaparecimento de uma forma holística, tentando compilar toda a informação de uma forma que ainda não tinha sido apresentada ao público.
“Estamos a tentar apresentar tantos detalhes quanto consigamos sobre o caso — e se isso pudesse despertar a memória de alguém, isso seria fantástico”, afirmou em comunicado a produtora-executiva Emma Cooper. “Como mostramos no documentário, outras crianças são encontradas — portanto há que ter esperança”, acrescentou.
Com cerca de 50 minutos por episódio, há espaço para explorar não só o desaparecimento, mas também para escrutinar o papel dos media e da polícia na história, para fazer a ligação a outros desaparecimentos (incluindo o de Rui Pedro e de Joana Cipriano) e para abordar o problema da pedofilia. Ou até para perceber como é que a Praia da Luz se tornou um destino turístico, ou ainda como o Algarve é uma porta de entrada da droga vinda de África.
O caso McCann foi um dos casos mais mediáticos em Portugal e tornou-se também num dos casos de desaparecimento de crianças mais conhecidos no estrangeiro. No documentário, o caso surge como estando cicatrizado com os rumores e desinformação que vinham a público, sobretudo por parte da imprensa tablóide — que chegara a publicar histórias falsas sobre os suspeitos iniciais e títulos que quase afirmavam que os pais tinham matado a filha.
É dito que uma das coisas que mais atormentava Kate McCann era o facto de ter descoberto que no restaurante onde jantavam, ao lado do apartamento onde Maddie desapareceu, estava uma folha à vista de toda a gente que dizia que havia uma mesa reservada para a família e para os amigos por ficar perto do apartamento onde as crianças estavam a dormir sozinhas.
Mais do que apresentar potenciais culpados, a série põe o desaparecimento em perspectiva, expondo toda a informação disponível na altura do desaparecimento. Tenta ainda explicar o mediatismo de todo o caso, o clima de tensão vivido tanto em Portugal como no Reino Unido e a forma como a cara da menina britânica, com a sua característica marca no olho, se eternizou espalhada pelas ruas, pelas t-shirts, pelas televisões, por panfletos.