Governo “desaconselhou” uso de telemóveis da Huawei
Ainda antes de os EUA virem a Lisboa preocupados com os negócios das redes 5G dos chineses, o Governo português já tinha desaconselhado o uso de telemóveis oferecidos pela Huawei e por qualquer outra marca na administração pública.
O Governo “desaconselhou o uso de telemóveis, computadores” e qualquer dispositivo informático “oferecidos por empresas a funcionários da administração do Estado”, soube o PÚBLICO. Em causa está o facto de várias empresas, entre elas chinesas como a Huawei, terem “inundado departamentos públicos”, mesmo ao nível do Governo, com ofertas de dispositivos que não oferecem garantias de confiança quanto a serem potenciais meios de espionagem industrial e política.
Embora “não tenha sido detectada nenhuma situação concreta irregular” e ainda que a orientação do Governo seja “sem especificar marcas”, a recomendação refere-se “a todos os telemóveis oferecidos em geral, mas a alguns em particular”, afirmou ao PÚBLICO um responsável governativo, que avançou com o exemplo de uma situação vivida pelo primeiro-ministro, António Costa.
Na sua visita à China, em Outubro de 2016, Costa visitou a sede da Huawei e reuniu-se com o presidente da empresa que o presenteou com um telemóvel da marca. O objecto foi depositado na Presidência do Conselho de Ministros, como acontece com todas as prendas recebidas, só que neste caso o primeiro-ministro “nem sequer abriu a caixa e o telemóvel continua selado como quando foi recebido”.
O responsável governamental ouvido pelo PÚBLICO assume que não é a primeira vez que há desconfianças sobre a fiabilidade de materiais electrónicos. Recorda que a questão da potencial espionagem se colocou quando, por exemplo, a Polícia Judiciária foi reequipada com dispositivos que permitem fazer escutas telefónicas comprados ao Estado de Israel. Então, a questão da segurança a este nível foi colocada.
Antes do 5G
A decisão do Governo de avançar com esta orientação interna para a administração pública surge ligada e na sequência de conversações com outros governos europeus e com o dos Estados Unidos, as quais passaram pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas é anterior à vinda a Lisboa de uma comitiva norte-americana para pressionar o Governo para que Portugal não participe com a Huawei no desenvolvimento das tecnologias de nova geração das redes móveis 5G. A delegação era liderada pelo presidente da Comissão Federal das Comunicações dos EUA, Ajit Pai, e o embaixador norte-americano em Portugal, George E. Glass. Por outro lado, refira-se que nos últimos meses a Huawei tem sido questionada em diversos países da União Europeia.
A actuação da empresa chinesa em Portugal tem sido a de oferecer a altos e médios quadros do Estado, de empresas públicas e também de empresas privadas dispositivos informáticos, sobretudo telemóveis, mas também tablets. No início da sua instalação em Portugal, a Huawei convidou vários responsáveis públicos e políticos para viagens à China.
O caso, noticiado pelo Observador e pelo Expresso ficou conhecido como o Hauweigate e foi investigado pelo Ministério Público. A empresa de electrónica convidou três políticos do PSD a visitarem a China ainda durante a vigência do Governo da coligação Portugal à Frente formada pelo PSD e pelo CDS, e chefiado por Pedro Passos Coelho.
O Ministério Público investigou, nomeadamente, as viagens à China com tudo pago pela Huawei do deputado e vice-presidente da bancada do PSD na Assembleia da República, Sérgio Azevedo, do vereador da Câmara Municipal de Oeiras, Ângelo Pereira, o presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton, do presidente da Câmara de Oeiras, Paulo Vistas, do vice-presidente do PSD de Oeiras, Nuno Custódio, e do vice-presidente do PSD de Lisboa, Rodrigo Gonçalves. Nesse período, foi ainda convidado vereador do PS na Câmara de Odivelas, Paulo César.
As viagens a convite da Huawei causaram uma baixa no actual Governo: Nuno Barreto, ex-adjunto do secretário de Estado das Comunidades que foi à China em Janeiro de 2017 com as despesas pagas pela empresa chinesa.
Notícia corrigida às 18h35. A notícia atribuía erradamente alguns convites para viagens à Huawei.