A regionalização de novo: devagar... e de mansinho...
É necessário debater publicamente o assunto com amplitude, abertura e sensatez, esclarecendo a opinião pública e deixar ao voto dos portugueses a decisão.
Sou dos que acreditam que as “grandes reformas”, aquelas que exigem maiorias qualificadas, ou seja, as que constitucionalmente impõem consensos entre os dois maiores partidos, são, em princípio, necessárias e úteis a Portugal e aos portugueses.
Uma delas seria certamente a descentralização regional, ou a regionalização descentralizada, ou ainda a regionalização disfarçada... como a queiram chamar ou, devagar e de mansinho, vestir sob o manto diáfano da fantasia aquilo que, na verdade, se pretende que seja.
Contudo, sempre notei que as grandes reformas não são fáceis de operacionalizar e, pela observação de muitos anos do que se tem passado entre nós e noutras partes do mundo, sempre preferi, prudentemente, progressos incrementais. Incrementais... mas no sentido certo!
Recordo, há mais de 40 anos, o aparecimento de uma “Comissão para a Reforma Administrativa”. Alguma coisa se reformou e, certamente, muito mais ficou por reformar, pois que, após sucessivas incumbências, visões estratégicas, delegações e descentralizações de última hora, surge mercê de um tal acordo de regime entre o PS e o PSD uma denominada “Comissão Independente para a Descentralização”, que inclui uma maioria de elementos de pendor fortemente regionalista, todos independentes de nomeação partidária...
Mas, como à descentralização também aparentemente se pode chamar de regionalização, encomenda-se um novo estudo para saber como deve ser a divisão administrativa do reino, que presumivelmente acabará, desta vez, a obra começada há mais dos tais 40 anos na Comissão para a Reforma Administrativa.
Não vale a pena discutir a minudência da iniciativa ter um orçamento de quase meio milhão de euros que, ao que parece, não teve de início cabimento orçamental, mas que a vontade reformadora da central maioria conseguiu ultrapassar. A questão é muito mais importante... trata-se de estudar e de implantar uma reforma do maior alcance para um país que tem as fronteiras mais antigas da Europa, velhas de 700 anos, e onde não se notam pulsões fragmentárias.
Mais, o país tem uma invejável coesão territorial e cultural, na sua diversidade, e uma visão de destino comum que, embora com hiatos, nos permitiu ultrapassar crises, conflitos generalizados, guerras civis, combater 13 anos em África, mudar regimes, etc... mantendo uma certa forma de sermos portugueses.
Estamos na Europa para o bem e para o mal, mas não podemos ignorar a profunda crise em que está mergulhada, pelo que talvez seja bom meditarmos na mais valia que essa unidade nos tem conferido face ao que nela se vem passando com impulsos desagregadores, em temos territoriais e políticos, catalisados por investimentos financeiros e coligações de interesses com origens e fins que já deixaram de ser inconfessáveis.
É que a diluição das identidades nacionais é um objetivo que, fazendo parte dos ideários tidos como politicamente mais esclarecidos, em vez de descentralizar, centraliza o poder de decisão, transladando para Bruxelas e para quem lá manda o que nos resta da soberania que, devagar e de mansinho, vamos furtivamente partilhando.
Mais, há cerca de 20 anos, os portugueses disseram por referendo não às regiões administrativas por uma maioria de mais de 60%. Bem sei que os referendos são armas que têm os seus perigos e são reversíveis, como tudo na política, às vezes com efeitos dramáticos... veja-se o que se vem passando e o que se passará com os nossos mais velhos aliados...
Na altura, as regiões eram oito, mas parece que agora, ao que se sabe, serão apenas cinco... e, sendo assim, talvez os nossos concidadãos venham a mudar de opinião .
Louva-se a necessidade de um estudo sério e profundo feito por gentes que não sejam “amadores ou que leiam de vez em quando um livro”, mas isso não chega, é necessário debater publicamente o assunto com amplitude, abertura e sensatez, esclarecendo a opinião pública e deixar ao voto dos portugueses a decisão.
Mais, no tempo eleitoral que vivemos e vamos viver este ano, é imprescindível que os programas partidários reflitam as opções políticas que cada um defende, não omitindo as respetivas inclinações, mormente num assunto, como este, de interesse estrutural para Portugal.
Espera-se que o conhecido processo matemático da regressão não venha a ser utilizado para encontrar os argumentos necessários à justificação, a posteriori, de uma qualquer decisão já tomada...
Afinal, as reformas incrementais e muito dilatadas no tempo também podem ter as suas vantagens...
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico