Queda de arriba: “Procurei não entrar em pânico, agarrei-me à esperança”
Um sobrevivente do caso da praia Maria Luísa contou em tribunal como conseguiu resistir, durante quatro horas, com toneladas de areia em cima.
Vítor Emanuel, advogado e um dos sobreviventes da derrocada da praia Maria Luísa, descreveu esta sexta-feira, no tribunal, como viu e sentiu, a morte por perto. A namorada, Mariana, foi uma das cinco vítimas mortais. Em poucos segundos ou minutos, disse, caiu um “monte de terra e pedras que rolaram” em direcção ao mar. Estavam a gozar o último dia de férias, perto da zona de rebentação. “A imagem que tenho é de ver a Mariana e a Rita levantarem as mãos para protegerem a cabeça”. A partir desse momento “procurei não entrar em pânico, agarrei-me à esperança”.
O Ministério Público (MP) assumiu o papel de defender o Estado, no caso das cinco mortes, ocorridas na praia Maria Luísa, em Albufeira. O julgamento começou esta sexta-feira, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, com os advogados a pedirem justiça pela “omissão” da administração pública, no dever de garantir a segurança das praias. Os pedidos de indemnização ascendem a 911 mil euros.
Esta zona balnear uma das que estava “referenciada por nós, Universidade do Algarve, como de vulnerabilidade muito elevada”. Óscar Ferreira, geólogo, admitiu que a informação, publicada nas revistas científicas internacionais, “não chegue com facilidade ao Estado [Agência Portuguesa do Ambiente], porque as revistas são pagas, e nem sempre existe verba”. Com a profusão das plataformas digitais, acrescentou, “actualmente, há mais facilidade [no acesso à informação]”.
Depois do acidente, a agência reforçou os sinais de perigo de “queda de blocos” em todas as praias com arribas. Mas a sinalização que existia era a adequada e suficiente? Esta é a questão que os advogados levantam, no sentido de responsabilizar o Estado pela tragédia que se deu em Albufeira
Vítor Emanuel, actualmente a trabalhar no Dubai, descreveu o filme dos acontecimentos do dia 21 de Agosto de 2009. A certa altura, disse, “deixei de gritar, porque percebi que ninguém me ouvia”. Quando tombou levou os braços à cabeça, por instinto de defesa. Entre os braços criou um espaço vazio, que funcionou como bóia de salvação. Mas, com o passar do tempo, a vida começou a andar para trás. “Senti que a bolsa de ar se estava a fechar – e eu sou asmático”, enfatizou. Ao fim de quatro horas foi localizado por um bombeiro. “Estava a ficar sem energia, a perder as forças”. A namorada, a irmã e os futuros sogros morreram. Desta família, ficou apenas o avô de Mariana, com mais de oitenta anos, de Lamego, que viria a falecer cerca de três anos depois, vítima de cancro.
Jennifer e Gladys, emigrantes em França, pela primeira vez, fizeram férias com os pais, na praia Maria Luísa, embora conhecessem outras zonas do Algarve. A mãe, Maria Emília, de 37 anos, foi a quinta vítima mortal. O viúvo, António Freitas, recordou o dia em que perdeu a mulher. “Apanhou com uma grande pedra em cima, morreu logo ali, não havia nada a fazer”.