Só o “cabo F” vai ser julgado pelo Bloody Sunday e as famílias choraram

A 30 de Janeiro de 1972, em dez minutos, soldados britânicos mataram 13 republicanos norte-irlandeses desarmados que marchavam contra a discriminação. O inquérito foi finalmente concluído e desapontou - só um acusado. “Isto não acaba aqui”.

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Mural da fotografia icónica do Bloody Sunday, o momento em que um padre usa um lanço para transportar um ferido por entre o tiroteio Clodagh Kilcoyne/Reuters
Familiares das vítimas frente ao tribunal em Derry
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Familiares das vítimas frente ao tribunal em Derry Clodagh Kilcoyne/Reuters
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Funeral das vítimas ; no dia seguinte uma multidão em fúria incendiou a embaixada britânica em Dublin, na República da Irlanda Reuters

Está tudo errado, disse Gerry Adams. “O massacre do Bloody Sunday foi errado. O inquérito Widgery foi um branqueamento. A decisão de acusar apenas um soldado pelo assassínio de civis a 30 de Janeiro de 1972 é um erro”. O antigo líder dos republicanos norte-irlandeses reagiu indignado à decisão da procuradoria, que nesta quinta-feira fechou o inquérito longo para apurar responsabilidades pelo mais negro episódio do conflito nacionalista na Irlanda do Norte.

Um antigo soldado, o “cabo F”, vai ser acusado dos homicídios de James Wray e William McKinney e pela tentativa de assassínio de Patrick O’Donnell, Joseph Friel, Joe Mahon e Michael Quinn.

“Isto não acaba aqui”, disse John Kelly, irmão de Michael Kelly, que foi morto no Bloody Sunday (domingo sangrento). “Vamos continuar na esperança de levar o resto dos perpetradores à justiça.” Disse estar “desapontado”, mas quis sublinhar que todos estão satisfeitos pelas famílias de Wray e McKinney.

Liam Wray, irmão de James Wray, disse que a sua família está “aliviada” mas reconheceu que foi um momento “muito triste” para as das outras vítimas.

Direitos civis

No dia 30 de Janeiro de 1972, um domingo, realizava-se em Derry — Londonderry é o nome oficial, eco da chegada dos britânicos à ilha irlandesa e do que para os republicanos é uma ocupação; já ninguém lhe chama assim — uma marcha pelos direitos civis. 

A par da luta armada travava-se outra campanha, contra a discriminação dos irlandeses republicanos católicos no trabalho, na atribuição de casas, pelo direito de votar (nem todos podiam, ao contrário do resto do Reino Unido), pela reforma da polícia que era 90% composta por protestantes pró-união com o Reino Unido. Mas a marcha estava proibida — o governo de Belfast banira-as até ao fim desse ano. Integravam-na entre dez mil e 15 mil pessoas. 

Os Troubles, o conflito entre os republicanos que lutavam pela integração na República da Irlanda e as forças armadas britânicas estacionadas na Irlanda do Norte e os unionistas, tinham eclodido no final de 1960 e a presença militar era pesada. 

Dez minutos

O primeiro batalhão de pára-quedistas das Forças Armadas britânicas estava mobilizado para a marcha. Os manifestantes lançaram pedras à polícia, derrubaram grades. Os polícias responderam como respondiam sempre: dispararam balas de borracha, canhões de água e gás. Alguns manifestantes apedrejaram o grupo de pára-quedistas.

Passavam poucos minutos das quatro da tarde e os pára-quedistas dispararam. Damien Donaghy e John Johnston foram os primeiros mortos. Em dez minutos — confirmam os relatos oficiais —, os soldados mataram 13 pessoas. Feriram 15, uma delas morreria no hospital.

Mais de 3500 pessoas morreram no conflito, 52% delas civis, 32% membros das forças de segurança britânicas, 16% membros de grupos paramilitares republicanos e unionistas, segundo a contabilidade oficial. Mas nenhum dos dias da guerra sectária na Irlanda do Norte foi tão sangrento como o 30 de Janeiro. A violência terminou com o Acordo de Sexta-Feira Santa, assinado a 10 de Abril de 1998.

Desde 1972 que as famílias das vítimas exigem justiça. O primeiro inquérito — que Gerry Adams cita —, conduzido por lorde Widgery, concluiu que a culpa pelas mortes foi dos organizadores da marcha.

Um segundo inquérito foi entregue por Tony Blair, acabado de chegar a Downing Street, a lorde Saville. Não iria servir, sublinhou Blair, “para acusar indivíduos ou instituições, ou para novas recriminações, mas para estabelecer a verdade”. E a identidade dos soldados seria ocultada.

As audiências começaram em Março de 2000, a última testemunha depôs em Janeiro de 2005. Foram recolhidos 2500 depoimentos, 922 pessoas deram testemunhos directos. Foram produzidos 160 volumes, 112 áudios e 110 vídeos. As conclusões só foram divulgadas em 2010, mas são muito diferentes das do primeiro inquérito.

Lorde Saville condena os soldados e exonera as vítimas”, escreveu o The Guardian na altura: as mortes foram injustificadas, nenhum dos mortos estava armado, não foi feito qualquer aviso antes dos disparos, os soldados não estavam sob qualquer ameaça, foram os militares quem abriu fogo.

Desapontamento

Havia, portanto, expectativa na decisão desta quinta-feira em Derry, quando a Justiça ia anunciar se avançava para acusações.

“Ficou concluído que há provas suficientes para acusar um ex-soldado, o ‘cabo F’”, disse o procurador Stephen Herron. “No que respeita aos outros 18 suspeitos, incluindo 16 ex-soldados e dois alegados membros do IRA, concluiu-se que as provas disponíveis não são suficientes para garantir uma expectativa razoável de condenação”.

“Reconheço o desapontamento sentido por muitos, mas como acusação, temos o dever se ser objectivos na nossa abordagem”, sublinhou Stephen Herron.  

Entre a multidão que se juntou no tribunal, sobretudo familiares dos mortos, houve lágrimas.

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