A comédia à portuguesa nunca existiu

Ladrões de Tuta e Meia é a mais recente tentativa de fazer valer a nostalgia de uma comédia popular que nunca passou dos casos pontuais — e é confrangedoramente mau

<i>Ladrões de Tuta e Meia</i>: mais uma confusão entre TV e cinema
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Ladrões de Tuta e Meia: mais uma confusão entre TV e cinema
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Há um gague (se lhe podemos chamar isso…) recorrente em Ladrões de Tuta e Meia sobre uma micose no escroto — por aí começa a ver-se o nível do humor (se é que também lhe podemos chamar isso…) que o filme de Hugo Diogo procura explorar, nesta tentativa de fazer uma comédia popular “à portuguesa” dirigida ao grande público que, hoje, prefere ficar em casa a ver televisão. Não é nada de novo, sobretudo porque se criou o mito de que, em tempos, existiu uma comédia à portuguesa aplaudida pelo público. Na verdade, como nunca existiu uma indústria do cinema em Portugal, o que existiram foram filmes pontuais, mas esses encontros felizes de actores e argumentistas com tarimba no palco da revista (e capazes de serem brejeiros sem serem vulgares) foram menos habituais do que se pensa (tentar fazer remakes para os dias de hoje, como se provou, não foi a solução mágica). Ponham-se lado a lado coisas como O Pátio das Cantigas original, de 1942, e O Costa d’África, de 1954, e fica explicado que esta nostalgia de uma comédia popular é um mito que já vem de trás — e que é significativo que, em 2019, continue a não haver uma comédia recente que seja recordada como os “clássicos” ainda o são.

Tudo isto para dizer que Ladrões de Tuta e Meia é mais uma tentativa nado-morta de comédia, agravada pelo facto de este não ser o habitat natural do seu realizador (cuja longa anterior, Imagens Proibidas, teve estreia há poucas semanas). Se não há nada de mal em fazer um filme alimentar, como este tem todo o aspecto de ser, o que é problemático é que isso traga ao de cima a vertente “mercenária”, como se fazer um filme com o olho na bilheteira implicasse não existir nenhum desejo de cinema nem nenhuma convicção no que se está a fazer. O filme pega numa narrativa já gasta (vigaristas incompetentes que procuram enganar um milionário) e tenta sustentá-la com uma série de gagues fraquinhos de nível Malucos do Riso esticados ao limite, interpretados por actores a quem se pede o mínimo exigível, filmados de maneira indiferente e pontuados com uns pozinhos a fazer “moderno” (o narrador que interrompe a acção, os momentos em que a câmara puxa atrás e vemos toda a “maquinaria” da rodagem).

Mas é impossível: tudo é laborioso, rebuscado, desengraçado, sem ritmo nem garra, ao ponto de cair no confrangedor. Ladrões de Tuta e Meia é apenas a enésima confusão entre televisão (ou audiovisual para o sofá) e cinema, mais uma pseudo-comédia à procura de um espectador imaginado que se contentasse com mais do mesmo. E que, na verdade, talvez nem exista. Como a comédia à portuguesa, aliás.

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