Alegre álbum melancólico
Repetindo a concisão do disco anterior, A Invenção do Dia Claro aprofunda a mestria pop da banda, que se alimenta agora noutras paragens.
A guitarra chega dedilhada, o órgão aquece o ambiente e a secção rítmica segue-lhes os passos com delicadeza. A voz diz então, nesse início de Certeza: “Andava mal parado e sem saber nesta estória/ se é obrigatório que ela chegue ao final”. Assim arranca A Invenção do Dia Claro, o quarto álbum dos Capitão Fausto. Neste momento, não é importante saber se haverá destino final na história desta banda. Inegável é que dificilmente poderíamos prever que os Capitão Fausto, tal como se nos apresentaram em Gazela, o álbum de estreia feito de planar space rock, guitarras angulares bem medidas e veia pop a latejar, e em Pesar o Sol, aquele que aprofundou as pistas lançadas inicialmente, poderiam chegar daí a algo como Têm os Dias Contados, o álbum que centrou neles todas as atenções, e desse a este A Invenção do Dia Claro.
Os Capitão Fausto que temos agora são artífices que conseguem cruzar com habilidade e à vontade a cuidada invenção musical com o prazer pelo impacto pop mais imediato - e pelas carícias soft-rock. Conseguem-no, acrescente-se uma camada, enquanto fazem das canções palco para interrogações interiores, deambulações sobre as coisas do amor, daquilo que nos escapa quando nos queremos encontrar, da inquietação que significa lidar com pedaços negros que guardamos em nós e que obscurecem a virtude luminosa do correr dos dias. Alegre álbum melancólico, este dos Capitão Fausto — basta ver como se anuncia assim mesmo logo na abertura, em Certeza, quando o andamento se transforma, quando chegam coros e sintetizadores opulentos, quando há percussão em fundo a balançar e cavaquinho a abrir caminho para sopros soprando ligeiros a dança que sublima a melancolia. Assim será até ao fim.
Repetindo a concisão do álbum anterior, A Invenção do Dia Claro são oito canções distribuídas por meia hora de música. É uma desassombrada viagem pop em que cabem contratempos caribenhos e guitarras ecoando surf-music que desaguam em refrão escorreito (Boa memória). São baladas de lamentos encostadas ao coração do piano (Outro lado, Amor a nossa vida), é um refrão que se apresenta, à primeira, como conhecido de longa data (o da irrepreensível Sempre bem), são a mestria dos arranjos que, entre mundo sintético 80s e calor orgânico 60s, criam a só aparente simplicidade de Faço as vontades.
Aquilo a que chegaram os Capitão Fausto é o passo seguinte em relação às inquietações geracionais de Têm os Dias Contados — agora é viagem mais íntima, virada para o interior de uma relação a dois. Assente na mesma abordagem meticulosa revelada no álbum anterior, totalmente concentrada na canção e nos arranjos que fazem uma canção, alimenta-se noutras paragens, que tanto podem ser a abordagem directa de Rita Lee no final da década de 1970, quanto as boas tropelias pop da Banda do Casaco ou até a forma como os Fleetwood Mac, por alturas de Tusk, transformavam tumultos interiores em canções de experimentalismo e corpo popular integral. Isto, porém, são meras camadas de leitura. O segredo dos Capitão Fausto está na forma como, deixando tudo isso em subtexto, conseguem que os ouçamos sempre e só a eles em cada uma destas oito canções.