Procuradoria venezuelana investiga Guaidó por “sabotagem eléctrica”
China oferece-se para ajudar a restabelecer a energia e Maduro fala em "ciberataque sofisticado" contra a hidroeléctrica de Guri.
A China, que, tal como a Rússia, apoia o regime de Nicolás Maduro, ofereceu-se esta quarta-feira para ajudar Caracas a restabelecer a energia eléctrica, depois de o Presidente da Venezuela ter acusado Donald Trump de “ciberataque sofisticado contra as instalações da central hidroeléctrica de Guri”, no Sudeste do país.
Maduro falou horas depois de o Procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, nomeado pela Assembleia Nacional Constituinte, chavista, ter anunciado que abriu uma investigação contra Juan Guaidó por suspeita de “sabotagem realizada no sistema eléctrico nacional”. A justiça aperta assim o cerco ao Presidente da Assembleia Nacional, de maioria opositora, reconhecido como Presidente interino por mais de 60 países.
“A China está muito preocupada”, disse em Pequim o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Lu Kang, sublinhando aos jornalistas que a rede eléctrica está em baixo por causa de um ciberataque. “A China espera que a Venezuela consiga descobrir a razão disto e restabelecer o fornecimento normal de energia e a ordem social. A China está disponível para fornecer ajuda e apoio técnico para ajudar a recuperar a rede eléctrica na Venezuela.”
Problemas técnicos, dizem especialistas
A electricidade voltou na terça-feira a muitas zonas, incluindo partes de Caracas e da região ocidental do país que estavam colapsadas pelo apagão que começou na quinta-feira da semana passada. O pior apagão de sempre no país foi provavelmente provocado por problemas técnicos na hidroeléctrica de Guri, disseram peritos citados pela agência de notícias Reuters. O ministro da Informação, Jorge Rodríguez, diz que a electricidade já foi restaurada na “vasta maioria” do país.
Ao sexto dia de apagão, os hospitais tentam manter os equipamentos a funcionar, a comida apodrece no calor tropical e as exportações estão paradas no maior terminal petrolífero, descreve a Reuters.
“Traição da pátria”
Numa mensagem ao país, a segunda desde o início do apagão, Maduro assegurou que se fará “justiça” contra os supostos autores intelectuais do apagão, que descreve como “golpe electromagnético”. Neste contexto, cita o jornal El País, apelou à “resistência activa” das organizações de base do chavismo, incluindo os chamados colectivos, forças de choque, explicando que há dois detidos, incluindo o jornalista hispano venezuelano Luis Caros Díaz, e apontando o dedo ao Parlamento, presidido por Guaidó.
“Houve um crime grave de traição da pátria, tentou-se este ataque para gerar um estado de desespero, de necessidade geral, de confronto entre venezuelanos e justificar desde a Assembleia Nacional oligárquica, opositora, um apelo a uma intervenção militar norte-americana e à ocupação do nosso país”, disse o líder venezuelano.
O Procurador-geral assegura que a nova investigação soma-se a outra que já estava aberta contra Guaidó desde Janeiro, na qual se estabelecem medidas cautelares às quais este já desobedeceu, numa referência à proibição de deixar o país: Guaidó regressou à Venezuela na segunda-feira após uma digressão pela América do Sul, que começou depois de ter atravessado a fronteira com a Colômbia para participar na tentativa de fazer entrar no país ajuda humanitária, a 23 de Fevereiro.
Segundo William Saab, há mensagens de Guaidó “a incitar ao roubo, aproveitando-se das necessidades da população”; “ele é um dos autores intelectuais desta sabotagem eléctrica contra o país”.
“Não se pode fazer a apologia da violação da propriedade privada mas também não se pode ignorar o desespero de comunidades que estão há dias sem luz nem água e sem poder comprar o que necessitam com urgência”, escreveu segunda-feira o opositor na rede Twitter, numa mensagem que levantou polémica até entre os seus seguidores. “Sem luz, nem água nem comida, o desespero pode conduzir o nosso povo a um estado limite para conseguir sustento para os seus. Estes relatos de saques que chegam de várias cidades são uma consequência do regime usurpador continuar a impedir a solução para esta crise”.
“15 doentes mortos”
Segundo uma ONG dedicada às questões de saúde a operar em Caracas, a COVIDA (Coligação das Organizações para o Direito à Saúde e à Vida) que falou com o jornal francês Le Monde, “o apagão já provocou a morte de pelo menos 15 doentes nos hospitais, mal equipados em geradores que funcionem”.
“Continua a ser muito difícil saber o que se passa no país, sem meios de comunicação”, disse ao Le Monde Catalina Vargas, coordenadora da resposta humanitária na ONG CARE, sedeada no Equador. “As pessoas continuam encerradas em casa. Têm medo de sair à rua porque houve muitos motins nestes dias. Os habitantes dos bairros desfavorecidos vão pilhar os supermercados quando cai a noite. Em Caracas reina o caos, a própria polícia está ultrapassada, e face à insegurança, Maduro decretou três feriados até quarta-feira, recomendando aos venezuelanos que não saiam”, descreve”.
De acordo com Catalina Vargas, as pessoas têm muitas dificuldades em conseguir alimentos na capital, “os supermercados estão vazios e como a moeda nacional já não vale nadam as pessoas só pagam com cartão de crédito; ora, sem electricidade, os terminais não funcionam; só 10% dos supermercados continuam abertos, os que têm a sorte de contar com um gerador, mas só aceitam pagamentos em dólares, que ninguém tem”.
“Novas sanções”
As pessoas com quem Vargas consegue contactar em Caracas “já só comem frutos secos, tudo o que estava no frigorífico está perdido, tinham conseguido juntar carne e frango no congelador, mas com o apagão tiveram de deitar tudo fora”. “Os habitantes já não têm água potável, já houve cortes eléctricos antes mas só duraram algumas horas, as pessoas estão com muito medo dos últimos dias da semana porque estão a esgotar as suas reservas de água e alimentos”, descreve.
“O que funciona é a rede familiar porque os habitantes têm medo de que a comida esteja envenenada se vier de pessoas que não conhecem. Há muitos rumores e mentiras sobre a ajuda humanitária que Guaidó queria fazer entrar no país”, descreve ainda a coordenadora da CARE. “As pessoas acreditaram nele e desconfiam muito da ajuda humanitária, mesmo quando necessitam dela”. As equipas da Care, acrescenta Vargas, “não podem sair de casa, pelo que as nossas acções estão suspensas, devíamos nomeadamente distribuir comida mas como não há Internet nem telefone não conseguimos comunicar com as pessoas, a incerteza é total, tanto para os habitantes como para nós, o mais importante é não pormos em dificuldades as pessoas que nos pedem ajuda”.
Os Estados Unidos, país que primeiro apoiou Guaidó, de 35 anos, quando este se autoproclamou líder da Venezuela, diz entretanto que se está a preparar para impor novas sanções “muito significativas” contra instituições financeiras por causa da situação na Venezuela.
Segundo disse aos jornalistas no Departamento de Estado o enviado especial dos EUA para o país, Elliot Abrams, o Departamento do Tesouro impôs sanções contra um banco russo por ajudar a petrolífera Venezuela a iludir as restrições de Washington e está em conversações com outros países sobre a segurança na embaixada de Washington em Caracas, depois da decisão de retirar os diplomatas que ainda lá continuavam. Abrams não acredita que o regime de Maduro seja capaz de proteger a embaixada.