Sexo com robôs tem de ser mais protegido

A insegurança nos robôs em geral antecipa cenários em que as máquinas de prazer sexual podem servir para extorsões ou ameaças físicas.

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A cabeça de Samantha, uma boneca sexual robótica Albert Gea/Reuters

A cibersegurança na robótica sexual é frágil por culpa dos fabricantes e dos criadores, alertam vários especialistas, acompanhando o debate ético sobre a inteligência artificial nestes equipamentos.

Vários casos de ataques a funcionalidades dos robôs em geral antecipam o que pode vir a suceder no campo mais específico da sexualidade com robôs. Por exemplo, em Agosto do ano passado, investigadores da universidade norte-americana de Brown conseguiram comprometer o robô Herb2, desenvolvido por colegas da universidade de Washington. “Conseguimos aceder à videocâmara, essencialmente para espiar”, explicou Stefanie Tellex à revista Wired
 
"Ninguém está realmente a pensar na segurança neste tipo de coisas”, considerou também George Clark, investigador de robótica e cibersegurança na universidade do Alabama do Sul. “Todos estão apenas a lançar coisas, tentando chegar rapidamente ao mercado, especialmente em ambiente de investigação. A minha preocupação é como isso vai transitar para um mercado mais industrial ou de consumidor”.

No artigo Robots Want Bitcoins too!, publicado em Março de 2018 no blogue da empresa de segurança IOActive Labs, os investigadores Lucas Apa e Cesar Cerrudo demonstraram a possibilidade de ataques de ransomware (nos quais é exigido um resgate) “em praticamente qualquer robô”. No “caso especial” dos robôs sexuais, a “a privacidade e a intimidade são uma preocupação primária do utilizador” e “a falta de discrição ao contactar o suporte técnico, organizar a sua recolha e telefonar para o atendimento ao cliente pode incentivar os utilizadores a pagarem o resgate”.

Os mesmos investigadores da IOActive Labs já tinham, em Março de 2017, demonstrado a possibilidade de transformar robôs em “máquinas de vigilância”, através da captação ilegal de vídeos e sons e do seu envio para os atacantes, bem como a possibilidade de comandar à distância um pequeno e simpático robô para ferir humanos.

Cerrudo e Apa demonstraram e filmaram esta última possibilidade com um robô a atacar um tomate usando uma chave de parafusos, mas o fabricante do equipamento considerou o vídeo “sensacionalista” e terá lançado uma investigação para apurar as potenciais falhas.

A caminho da “sextorsão"

Numa vertente mais social, estas máquinas podem satisfazer parceiros separados pela distância, mas acarretam um outro perigo: “Particularmente com os robôs sexuais, se o parceiro tem acesso ao nome de utilizador e palavra-chave, deve garantir-se que essas credenciais são alteradas em caso de separação”, adverte Noel Sharkey, da Foundation for Responsible Robotics, uma organização sem fins lucrativos que defende o desenvolvimento ético de robôs.

Para o especialista Nick Patterson, aceder à tecnologia de um robô sexual será mais fácil do que fazê-lo num smartphone ou computador. O investigador em cibersegurança da Universidade de Deakin, na Austrália, assegurava em Dezembro ao jornal The Sun ser possível “controlar as ligações, braços, pernas e outras ferramentas” de forma remota.

Em simultâneo, estes ataques vão recolher dados pessoais e enviá-los para os fabricantes com o objectivo de obter uma “experiência personalizada”, dizia Tim Mackey, da empresa de software Synopsys. “Os gadgets do futuro podem recolher um ‘perfil de relacionamento’ desenvolvido em torno das preferências de quem controla” o robô, facilitando casos de “sextorsão”.

A falta de segurança dos sistemas, acompanhando a evolução acelerada no domínio da inteligência artificial, gera problemas potenciais ao nível da privacidade – com a ameaça de dados pessoais ou de gravações íntimas serem divulgadas em público.

“Essas situações já existem e não são necessários robôs sexuais – basta ver o escândalo, no ano passado, da We-Vibe”, nota o académico Daniel Cardoso em entrevista ao PÚBLICO.

O docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (UNL), co-organizador do curso Cyborgs, Sexo e Sociedade, refere-se ao caso que envolveu a empresa Standard Innovation, acusada de recolher dados de utilização dos seus vibradores We-Vibe e de os armazenar através da aplicação móvel We-Connect, bem como de permitir que alguém com uma ligação bluetooth pudesse controlar o dispositivo.

“O ‘pânico’ em torno dos robôs sexuais do futuro é uma forma de descurar e de remeter para o futuro problemas que existem já, e com os quais não sabemos lidar. Por outro lado, a questão da privacidade é relevante, claro, mas não deve ser a única a ser discutida”, alerta.

O futuro já chegou

Em 2017, a Foundation for Responsible Robotics lançou o relatório Our Sexual Future with Robots (o nosso futuro sexual com robôs), cujas conclusões apontam que “haverá um mercado para os robôs sexuais, tanto para homens como para mulheres”, embora menor neste caso, propiciando a existência de bordéis com estes equipamentos. As máquinas serão vistas como “uma outra forma de brinquedo sexual”, facilitando novas formas de isolamento social. Mas não há consenso quanto ao potencial para diminuir os crimes sexuais ou aumentar os benefícios terapêuticos.

O tema é tão vasto e polémico que originou a conferência anual Love and Sex with Robots (amor e sexo com robôs), cuja quarta edição decorre no início de Julho em Bruxelas, bem como o movimento Campaign Against Sex Robots (campanha contra o sexo com robôs).

A questão mais perturbadora na existência destes equipamentos é a produção de robôs que replicam crianças, alerta Noel Sharkey. Antecipando quaisquer tentações nesse sentido, os partidos democrata e republicano uniram-se nos EUA para aprovar legislação que proíbe a importação ou transporte dessas bonecas no país.

"Consentimento” robótico

Como se chegou ao ponto de pensar em humanos e robôs a manterem relações sexuais e a seduzirem-se? E será mesmo possível ter casamentos entre humanos e máquinas em 2050?

De forma muito simples, as tecnologias evoluíram rapidamente – tanto ao nível do hardware como do software, nomeadamente com a inteligência artificial – enquanto as sociedades estão mais tolerantes a novos fenómenos da sexualidade e a uma maior convivência ou até empatia com seres artificiais.

No final de 2017, no evento Ars Electronica, na Áustria, a robô sexual Samantha foi “molestada” de tal forma que o seu criador Sergi Santos considerou o incidente provocado por “bárbaros” e decidiu dar aos robôs a última palavra no consentimento de uma relação sexual. 

Em Julho, na conferência Love virtually - Rise of the Sex Robots, Samantha já incorporava esta funcionalidade – que, por usar software e sensores, pode ser modificada –, bem como a possibilidade de recusar sexo em algumas circunstâncias, como o utilizador ser agressivo.

Leis para casamento ou proibição

“No âmbito internacional, as discussões espalham-se sobre a questão da ética na inteligência artificial, sobre as representações culturais de robôs dentro de dinâmicas genderizadas e de poder, e mesmo sobre o ‘risco’ (que tende a ser super-valorizado sem fundamentação) de uma espécie de ultrapassagem do humano. Porém, a inteligência artificial entendida no seu sentido pleno (e, até ao momento, ficcional) de uma entidade senciente e auto-consciente digital é evidentemente o ponto de discussão mais intenso por causa da passagem de um objecto a um sujeito”, refere Daniel Cardoso.

Esta passagem, com a potencial concessão de direitos legais, poderá acelerar a discussão sobre o casamento entre humanos e robôs.

Este (ou outro tipo mais formal de relacionamentos) deverá ser legal em 2050, considera David Levy há vários anos. O autor de Love and Sex With Robots antecipa que os humanos vão querer os robôs como amigos ou parceiros sexuais. Até porque, como nota Kate Devlin, autora de Turned On: Science, Sex and Robots, o sexo com um robô não encaixa sequer na definição de infidelidade, por não se tratar de uma pessoa. Talvez seja apenas um “comportamento pouco razoável”, dizia em Outubro ao jornal The Guardian.

“As pessoas já estabelecem laços afectivos com os seus dispositivos tecnológicos - basta lembrar os agora longínquos cemitérios de Tamagotchi. A questão fundamental aqui é a da existência, ou não, de reciprocidade nesse laço”, refere Daniel Cardoso. E sugere como o filme Her “exemplifica bem o reverso da questão – será que essas inteligências artificiais se iriam querer sequer casar ou estar em relacionamentos connosco; não estaremos a partir de princípios e suposições demasiado antropocêntricas e especistas?”, questiona.

Para o professor de computação Adrian Cheok, pode parecer um cenário fantasista, mas “a sociedade avança e muda muito rapidamente” e, antes, poderá assistir-se à co-existência doméstica de humanos com parceiros robóticos. “Comparado com um mau casamento, um robô será melhor do que um humano”, dizia ao site Quartz.

Oliver Bendel, professor da University of Applied Sciences and Arts, na Suíça, considera que esses casamentos podem ocorrer no calendário previsto por Levy por pressão social ou avançar noutra direcção, com a proibição de relações sexuais homem-máquina.

Por exemplo, bordéis com robôs sexuais surgiram nos últimos anos em Amesterdão, Barcelona, Dortmund (Alemanha), Gateshead (Inglaterra) e Paris. Mas, nos EUA, o estado do Texas proibiu em Outubro a abertura do que seria o primeiro bordel de robôs no país.

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