China suspende frota 737 Max e abre caminho a crise na Boeing

Quase uma centena de aviões impedidos de voar na Ásia. Dúvidas sobre fiabilidade do 737 Max 8 colocam Boeing no centro de um furacão.

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O primeiro 737 Max 8 foi entregue à Air China a 15 de Dezembro de 2018 EPA/STRINGER

O desastre aéreo de domingo, que fez 157 mortos, foi só um daqueles acidentes imponderáveis da aviação ou consequência de algo mais grave como uma falha estrutural do Boeing 737 Max 8? A dúvida instalou-se e, enquanto não houver mais informações sobre este novo modelo da Boeing, a China mandou parar todos os 737 Max.

São 96 aparelhos, de 13 companhias de aviação chinesas, que vão manter-se em terra, até que se esclareça se há riscos associados a este modelo, que já tinha estado envolvido noutro acidente mortífero, a 29 de Outubro de 2018, na Indonésia.

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Destroços do avião que se despenhou no domingo depois de descolar de Adis Abeba EPA/STR

A decisão na China é da autoridade que regula a aviação. Na Etiópia, que ainda não saiu do choque do acidente de domingo, a Ethiopian Airlines também decidiu não voar com os outros 737 Max que tem ao serviço, até ter mais informações sobre a causa possível do desastre.

Após o trágico acidente de [voo] ET 302 (...), a Ethiopian Airlines decidiu imobilizar toda a frota de Boeing 737 MAX desde [domingo], 10 de Março, até novo aviso”, informou a companhia aérea, num comunicado também partilhado no Twitter.

Compensar paragens?

Nenhuma companhia quer lidar com o risco de perder um aparelho e vidas humanas. E nenhum fabricante de aviões quer lidar com dúvidas desta natureza. Mas é precisamente essa a situação que o construtor norte-americano enfrenta neste momento, com o risco de as proibições se alargarem a outras companhias aéreas.

Com mais de 5000 aparelhos 737 Max encomendados (cerca de metade dos quais são da variante Max 8, precisamente aquela dos dois aparelhos acidentados), a Boeing deveria estar a caminho de produzir 57 unidades deste modelo todos os meses. A receita anual esperada com o 737 Max ronda os 30 mil milhões de euros. Era a chave da Boeing para concorrer com o A320Neo da Airbus.

Porém, a decisão na China abre portas a um cenário de crise. Neste momento, a empresa com sede em Chicago vai sentar-se à mesa com as transportadoras chinesas para discutir eventuais compensações. Porque manter um avião em terra é sinónimo de prejuízo para a aviação. E toda a indústria que trabalha com este modelo, ou que fez encomendas, fica à espera para ver o que vão dar essas conversações.

Será o 737 Max o novo DC-10?

Aguarda-se com expectativa a reabertura das bolsas para se perceber que impacto têm estas incertezas sobre as acções da Boeing. O que se sabe é que nas negociações pré-abertura, os títulos foram negociados com preços até 10% abaixo face à cotação de fecho na sexta-feira.

O 737 Max era, neste momento, o modelo mais vendido da Boeing. O primeiro voo comercial foi realizado em 2017, ao serviço da companhia malaia Malindo.

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A Boeing deveria estar a caminho de produzir 57 unidades por mês deste modelo que chegou ao mercado em 2017 Matt McKnight/Reuters

Cada exemplar custa um pouco mais do que 50 milhões de dólares (44 milhões de euros). E não é o primeiro a ser olhado com desconfiança global. Os problemas do DC-10, da McDonnell Douglas (absorvida pela própria Boeing em 1997), perseguiram este fabricante e mancharam a reputação da empresa até ao fim. A própria Boeing teve de lidar com a falta de confiança em torno do 787, devido a problemas com baterias nos primeiros tempos (e que foram ultrapassados).

Tanto o DC-10 como o 787 foram, no tempo deles, objecto de proibição de voo nos próprios EUA, onde o regulador federal, a FAA (Federal Aviation Administration), chegou mesmo a impedir as companhias de usar aqueles dois modelos. Até ao momento, a FAA nada disse sobre o 737 Max. Mas sabe-se que outros reguladores mundiais, como na Índia, também acompanham a situação e aguardam mais informação para eventuais decisões nesta matéria,

Para um ex-piloto comercial e actual consultor de aviação na Índia, Mohan Ranganathan, o 737 Max tem problemas estruturais. Ouvido pela Bloomberg, este responsável garante que o modelo “tem falhas graves de design”.

A ser verdade, seria um gigantesco contratempo para o fabricante norte-americano, que continua a disputar a liderança mundial com o consórcio europeu Airbus. E para a Administração de Donald Trump, que encetou uma guerra comercial com a China, pode significar que incluir compras chinesas ao construtor de Chicago num eventual acordo de paz com Pequim está fora de hipótese. 

A Administração da Aviação Civil da China esclareceu que a suspensão dos 96 aparelhos 737 Max ao serviço naquele país se deve a preocupações com a segurança. “Tendo em conta que os dois acidentes envolveram aviões Boeing 737-8 recentes e que aconteceram na fase de descolagem, têm algum grau de semelhança”, lê-se no comunicado.

O regulador chinês alude assim ao acidente de 29 de Outubro, com um avião semelhante, que se despenhou no mar de Java 13 minutos depois de descolar em Jakarta. Todas as 189 pessoas a bordo perderam a vida. 

Estatísticas: voar é cada vez mais seguro

Segundo o site especializado Flight Radar, a Ethiopian (maior companhia africana) tinha cinco 737 MAX (incluindo a nave que se despenhou no domingo) e, de acordo com o site da Ethiopian Airlines, tinha mais 29 encomendados para reforçar a frota disponível para voos de médio curso. 

A Cayman Airways, companhia aérea das Ilhas Caimão, anunciou que os dois aviões Boeing 737 que tem ao serviço também deixam de voar por agora. A investigação ao acidente de domingo, perto da capital etíope, Addis-Abeba, só agora começou. Uma das caixas que registam dados de voo (vulgo caixa negra) já foi encontrada, mas ainda é cedo para saber o que terá levado o avião a cair, seis minutos depois de ter descolado rumo ao Quénia. A Boeing pouco diz, para já. Num comunicado citado pela Reuters, o fabricante declara que está a “trabalhar com a equipa que investiga o acidente”, garantindo que “a segurança é a prioridade número um”. “Estamos a fazer tudo para perceber tudo o que diz respeito a este sinistro”, diz a concorrente da Airbus.

Apesar de dois acidentes mortíferos em seis meses, as estatísticas sugerem que voar de avião é cada vez mais seguro. A taxa de acidentes tem vindo a descer desde 2008. Nesse ano, houve 4,7 acidentes por cada milhão de descolagens, taxa que em 2018 ficou em 1,8 acidentes por cada milhão de partidas.

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