Um Cristo que ri pode ser a única escultura sobrevivente de Leonardo da Vinci e está exposta em Florença

A mostra Verrocchio, il maestro di Leonardo, inaugurada este sábado, tem uma protagonista inesperada – uma pequena escultura em terracota atribuída agora ao autor da Mona Lisa. Discussão dos peritos ainda está no início.

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A descoberta de algo produzido ou mesmo tocado por Leonardo da Vinci é uma raridade. No ano em que a presença de uma impressão digital que poderá pertencer ao mestre do Renascimento foi notícia em todo o mundo, recupera-se uma outra possibilidade: a da existência daquela que pode ser a única escultura de Leonardo que resistiu ao tempo, algo que é discutido há anos, e que agora está exposta em Florença. Quem o garante é um reputado historiador, e perito em escultura do século XV.

A cidade italiana está tomada pelas comemorações e programação do 500.º aniversário da morte de Leonardo da Vinci. Lá, a exposição inaugura-se este sábado entre o Palazzo Strozzi e o Palazzo del Bargello e estará aberta até 14 de Julho. Verrocchio, il maestro di Leonardo dedica-se precisamente a Andrea del Verrocchio (1435-1488), que foi mestre de Leonardo, e reúne obras da importante figura do Renascimento e de outros autores incontornáveis como Sandro Botticelli, Desiderio da Settignanom Pietro Perugino ou Leonardo da Vinci. É este último, porém, a estrela desproporcional da mostra por esta lhe ter atribuído sem hesitações na sua legenda A Virgem com o Menino que Ri a autoria da escultura.

A peça é datada de 1472 (quando Leonardo da Vinci teria cerca de 20 anos) e está na posse do conceituado museu britânico Victoria & Albert desde meados do século XIX. Tinha, porém, outra autoria creditada: Antonio Rosselino. Em terracota e com cerca de 50 centímetros de altura, A Virgem com o Menino que Ri foi atribuída ao autor da Mona Lisa pelo especialista italiano Francesco Caglioti, professor de História da Arte da Universidade Federico II (Nápoles), que com Andrea De Marchi é um dos dois curadores da mostra que agora abre em Florença.

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“Há milhares de detalhes que dissipam quaisquer dúvidas quanto à atribuição”, disse Caglioti há um mês em entrevista ao diário La Repubblica. Dava como exemplo a forma como a escultura, na forma como retrata os rostos e os tecidos, partilha traços com A Virgem e o Menino e Santa Ana (1503) – o sorriso da Virgem, diz, é o mesmo – ou Anunciação (1472-1475) – “Olhem para as vestes da Madonna e para o manto vermelho do Arcanjo. O movimento do tecido é o mesmo.” Na visita para a imprensa à exposição, relata o diário britânico Guardian, Caglioti enfatizou como os muitos desenhos que Leonardo deixou serviram de base para a sua atribuição – os drapeados dos tecidos eram algo que esboçava na época e nos quais Leonardo trabalhou afincadamente. E notou como um Cristo sorridente era algo invulgar nas representações da figura na época, sendo que Leonardo escreveu sobre ter tido problemas em torno de uma sua representação de um jovem Jesus.

Na presença de Carmen C. Bambach, perita na obra de Leonardo da Vinci e que trabalha no Metropolitan Museum, em Nova Iorque, que corrobora a opinião de Caglioti, este frisou aos jornalistas que a escultura de terracota “não tem paralelo directo e convincente com qualquer outra escultura do Renascimento florentino, mas tem muitíssimos com os desenhos e pinturas de Leonardo, sobretudo na juventude, mas também adulto”, cita o La Repubblica.

Caglioti tem, como assinala o crítico de arte do Guardian, Jonathan Jones, “um conhecimento inigualável sobre a escultura do século XV” e é “um prodígio da História da Arte que fez um catálogo do Museu do Louvre quando tinha oito anos”. A opinião de Caglioti, que antecipava a exposição sobre o mestre do Quattrocento que agora estará em Florença, era secundada nas páginas do mesmo jornal italiano pelo historiador Tomaso Montanari, mas foi questionada nos dias seguintes por peritos como Frank Zollner, da Universidade de Leipzig, que considerou não haver provas concretas e disse ficar com dúvidas. “Não temos quaisquer esculturas feitas por Leonardo, por isso não há termo de comparação”, lembrou o professor de Arte Moderna e do Renascimento ao The Art Newspaper.

Jonathan Jones defende que A Virgem com o Menino que Ri é “um candidato muito mais credível – e belo – a ser uma obra redescoberta de Leonardo da Vinci do que a espectral Salvator Mundi”, a pintura cuja venda se tornou num caso mediático. A escultura, que elogia como sendo potencialmente uma obra revolucionária também na forma como representa Cristo enquanto criança, “é um objecto único ao qual até agora simplesmente não foi dada a atenção devida”.

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Sob empréstimo do Victoria & Albert, em Florença a escultura ostenta uma legenda diferente do que a dada pelos museus florentinos: continua atribuída a Antonio Rosselino. Ao longo dos séculos, A Virgem com o Menino que Ri tem visto a sua origem amplamente discutida e já se pensou que foi também moldada por Verrocchio, Da Settignano ou, noutras épocas, pelo mesmo Leonardo. Caglioti defende que a atribuição em vigor no importante museu é resultado da crença firme do perito John Pope-Hennessy, figura amplamente respeitada que dirigiu o British Museum e cuja palavra era como lei. “Um capricho”, critica agora o historiador italiano.

“Uma potencial atribuição a Leonardo da Vinci foi proposta pela primeira vez em 1899, por isso o estudo do professor Caglioti abre novamente a discussão da sua autoria”, disse em Fevereiro uma porta-voz do Victoria & Albert (que nunca tinha emprestado a escultura para outras mostras), dizendo que o museu “abraça a discussão continuada com colegas de todo o mundo. A investigação nas nossas colecções é contínua”.

Verrocchio, il maestro di Leonardo vai viajar para os EUA, mais precisamente para a National Gallery of Art, em Washington DC, em Setembro, e estará patente até Fevereiro de 2020. A escultura da discórdia não será transportada sobre o Atlântico, disse o Victoria & Albert em Fevereiro ao The Art Newspaper.

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