Batalha pela igualdade de género no futebol dos EUA reforçada nos tribunais
Selecção feminina decidiu processar a federação dos EUA por discriminação. Em causa está a disparidade salarial, mas não só.
Com uma batalha atrás da outra, o caudal de diferenças que separam o futebol feminino do masculino, nos Estados Unidos, tem vindo a ser reduzido nos últimos anos. Essa é uma realidade incontornável. Mas há divergências que subsistem e nesta sexta-feira esse mal-estar foi tornado público pelas próprias jogadoras da selecção, que decidiram avançar para tribunal contra aquilo que consideram ser uma “discriminação de género institucionalizada”.
Em 2016, já tínhamos assistido a uma reacção semelhante, então protagonizada por um grupo de cinco atletas. Desta vez, o espectro da posição assumida é bem mais alargado (todos os 28 membros da selecção feminina assinaram o documento) e o timing não foi escolhido por acaso: o anúncio da acção judicial foi feito no Dia Internacional da Mulher e a três meses do início do Campeonato do Mundo, que se realizará em França, onde os EUA tentarão defender o título conquistado em 2015.
“Cada uma de nós sente-se extremamente orgulhosa por vestir o equipamento dos EUA e leva muito a sério a responsabilidade que lhe está associada. Acreditamos que lutar pela igualdade de género no desporto faz parte dessa responsabilidade. Como jogadoras, merecemos ser pagas de forma igualitária pelo nosso trabalho, independentemente do género”, assinalou Alex Morgan, uma das melhores futebolistas do mundo, em comunicado.
O processo contra a Federação de Futebol dos Estados Unidos (USSF na sigla original) deu entrada no District Court de Los Angeles, sendo que do rol de queixas constam não só os valores dos salários (francamente mais baixos que os praticados na selecção masculina), mas também os locais e a frequência dos jogos disputados, os espaços de treino, a assistência médica e até as viagens.
Este passo, bem mais drástico, foi encarado como natural depois de a queixa apresentada há três anos sob o “patrocínio” da Comissão para a Igualdade de Oportunidades no Emprego não ter produzido os efeitos pretendidos. Mas não se trata, na verdade, de um caso isolado. Isto porque a ex-guarda-redes e uma das mais célebres jogadoras americanas, Hope Solo, já tinha avançado sozinha para tribunal com idênticos fundamentos. Ela, que também se candidatou às últimas eleições para a presidência da USSF.
“A direcção que o futebol tem seguido na América não é inclusiva nem representativa da nossa nação. Durante muito tempo senti que estávamos a lutar contra um sistema que não iria mudar, mas cheguei à conclusão de que se muitas de nós criarmos a mudança, o futebol nos EUA, a certa altura, terá mesmo de mudar”, justificou Solo, numa entrevista, em Agosto passado.
Entre os exemplos de discriminação avançados pela ex-internacional americana (fez 202 jogos pela selecção ao longo de 16 anos) contam-se viagens realizadas pela comitiva na parte de trás do avião, enquanto a congénere masculina tinha direito a charters, mas nos últimos anos houve uma aproximação das condições entre ambas as equipas. Fruto, é certo, de um esforço de contestação que já esbateu algumas diferenças — desde 2017 que as mulheres deixaram de jogar em relva artificial e, de duas em duas semanas, existem reuniões com dirigentes da USSF para um briefing sobre as adversárias e para planear a logística das deslocações.
O sentimento de iniquidade, porém, agrava-se quando se decide medir o sucesso de cada selecção. Com três títulos mundiais em sete edições da competição, a formação feminina é não só responsável pela mais brilhante página do palmarés futebolístico americano, mas também uma substantiva fonte de receitas para a federação, que nesta sexta-feira não tinha ainda reagido ao processo.
Este desequilíbrio na distribuição, de resto, é ainda mais visível quando se trata de uma prova organizada pela FIFA, já que o organismo reserva 400 milhões de dólares de prémios às 32 selecções masculinas presentes no Campeonato do Mundo, e apenas 30 milhões às 24 femininas que compõem o torneio.
Nesse sentido, esta tomada de posição, de âmbito nacional, será sempre um contributo pequeno para uma maior igualdade na modalidade a nível global, mas a visibilidade que nomes reconhecidos como Carli Lloyd ou Megan Rapinoe emprestam à causa já permite agitar as águas. E lançar uma ameaça real sobre a USSF, que se arrisca a pagar compensações de milhões de dólares se forem reconhecidos os direitos retroactivos a atletas que representaram a selecção desde 2015.
“É pena que tenhamos de acordar uma organização poderosa como a USSF através de processos judiciais, porque eles não querem perder tempo, esforço e dinheiro, ou a imagem pública de que gozam. Infelizmente, temos de seguir esta via, mas fico contente por termos a coragem de o fazer”, expõe Hope Solo.