Hélder Bruno antestreia novo disco na ModaLisboa, com Nuno Gama
Depois do disco A Presença, Serena e Terna, Hélder Bruno mostra ao vivo um novo trabalho na ModaLisboa 2019, este domingo, na apresentação-performance de Nuno Gama. Vai chamar-se Sob Um Céu de Água. Com piano, quarteto de cordas e electrónica. Convidados: Nuno Guerreiro, O Gajo, Vasco Ribeiro Casais e JP Vinagre.
É um disco que se escuta como se fosse a banda sonora de um filme, e desde que foi lançado tem vindo a suscitar elogios a quem o ouve. Com música composta e orquestrada para piano, quarteto de cordas e voz, por Hélder Bruno, A Presença, Serena e Terna tem agora sucessor já quase pronto e vai ser apresentado ao vivo este domingo, na Moda Lisboa 2019, servindo de base à apresentação-performance de Nuno Gama (às 14h30, no Pavilhão Carlos Lopes).
Vai chamar-se Sob Um Céu de Água (Water Sky) e terá, na apresentação, além de piano e quarteto de cordas, também electrónica. Com convidados: Nuno Guerreiro, voz da Ala dos Namorados (que participou no disco anterior), O Gajo (João Morais), Vasco Ribeiro Casais e JP Vinagre.
Mas antes de surgir pela primeira vez na capa de um disco, Hélder Bruno fez muitas coisas: estudou musicologia, piano, jazz (tema da sua tese universitária, editada em livro), trabalhou em Moçambique (de 2003 a 2005), desenvolveu um método de apoio à decisão a que chamou “Ecocracia”, foi vereador na Lousã (de 2009 a 2016) e, enquanto músico, trabalhou em múltiplos projectos. Até que, em 2018, editou o primeiro disco, com título bilingue impresso na capa: A Presença, Serena e Terna e, em inglês, The Presence, Serene and Tender.
Nele participaram, além de Hélder Bruno (piano, composição e direcção musical), Nuno Guerreiro e Mafalda Umbelino Camilo (vozes), Maria Kagan e Tünde Hadady (violinos), Rogério Monteiro (viola), Feodor Kolpashnikov (violoncelo) e Marito Marques (percussões). Alguns temas originaram videoclips, que podem ser vistos no YouTube: Balada das fadas (com Nuno Guerreiro), Dança comigo uma última vez ou A lenda do cervo e da água.
Deslumbrado pela musicologia
Nascido em Coimbra, em 15 de Dezembro de 1976, Hélder Bruno diz ao PÚBLICO que “nunca pensou” que ia gravar um disco. Isso só sucedeu ao fim de vários concertos “Eu queria era fazer música e tocá-la. Só avancei quando percebi que havia interesse por parte do público. Nós [ele e os músicos que o acompanham] já tínhamos feito uma série de concertos em 2016 e foi no final desse ano que decidimos que íamos gravar.”
O percurso de Hélder, que o levou a ser, a par de pianista e compositor, também investigador do INET (Instituto de Etnomusicologia do Centro de Estudos em Música e Dança, no pólo universitário de Aveiro), passou por diversos patamares até chegar aqui. E um deles foi a atracção pela musicologia.
“Quando descobri a musicologia no Conservatório, fiquei deslumbrado.” Isso foi na década de 1990. O interesse pelo jazz cimentou-se com a passagem do Conservatório de Coimbra (onde estudou piano) para a Escola de Jazz do Porto. “Senti esse apelo. Fiz workshops no Hot Clube, com o Carlos Martins, o Carlos Barretto, o António Pinto, o André Sousa Machado. O fascínio do jazz já existia, enquanto ouvinte.”
Mas na juventude ouvia também “a música que os pais ouviam: brasileira, portuguesa, rock. Lembro-me de uma coisa que me marcou: os vinis do António Variações. Lembro-me de estar sentado a ouvir aquilo e a olhar as capas, a interrogar-me de onde é que viria aquele tipo, estranho mas ao mesmo tempo cativante. Porque tinha uma estética, notava-se que havia ali uma coisa pensada, idealizada.”
Do piano de brincar ao rock e ao jazz
Antes, na infância, ele diz que teve o privilégio de ter a música e os livros como uma coisa sempre presente. “As minhas recordações, com 2 ou 3 anos, é com um piano de brincar à frente. Havia uma música do José Cid que tinha ido ao Festival da Canção e dizem que eu cantava aquilo. Depois os meus tios gravavam-me a cantar… Essas coisas.”
Quando iniciou os estudos no Conservatório de Coimbra, aos 11 anos, a música era já para ele o ambiente natural. “Havia um mestrado em Ciências Musicais, na Universidade de Coimbra. Eu já tinha uma ideia do que era a musicologia, candidatei-me a esse mestrado, e tive a sorte de apanhar a professora Maria Augusta Barbosa (1912-2012), que era a decana da musicologia.”
E foi na Universidade de Coimbra que Hélder desenvolveu uma tese sobre jazz, que viria depois a ser publicada em livro: Jazz em Portugal (1920-1956), assinado com o seu nome completo, Hélder Bruno de Jesus Redes Martins, e editado pela Almedina em 2006. Mas a composição musical, mais do que o estudo do jazz propriamente dito, já vinha de antes. “Desde miúdo. Mas não se podem considerar composições, eram ideias. Tive também uma banda de rock, fui vocalista, fomos ao Rock Rendez-Vous [sala mítica lisboeta, activa para a música de 1980 a 1990; antes era o Cinema Universal]. E fazia canções, em português. Chamava-se Vonavemor (queria dizer “vontade de ver melhor”), era quase new age.”
É curioso que um dos temas de A Presença, Serena e Terna, o nono a surgir no alinhamento do disco (Anjo), já vinha do tempo dos Vonavemor, só que na altura era tocado com guitarras eléctricas. Aqui mudou de atmosfera. “A orquestração está pensada para orquestra de cordas, mas mesmo com quarteto de cordas soa como se fosse com orquestra”, diz Hélder.
“Uma sensação de irrealidade”
Voltando à ModaLisboa. “Não é um desfile. Nós desenhámos um momento performativo em que a música e o design de moda se juntam e há uma tentativa de criar uma viagem para que o público, a assistência, usufrua como entender – embora haja motes que, para nós, foram muito coincidentes. A colecção do Nuno Gama (que eu admiro muito, não só o trabalho como a pessoa humana) chama-se Mutantes, ele inspirou-se na década de 30 mas pega nas raízes, na ascendência familiar, na tradição genética de uma memória colectiva (a portugalidade está sempre muito presente nos trabalhos do Nuno Gama).”
E isso também marca o novo disco: “A Presença, Serena e Terna é muito mais etéreo, mais ligado ao verde, ao ar, à montanha, e este é mais água. É baseado num fenómeno que existe muito nos países nórdicos e que se chama water sky: quando se olha para o mar não se consegue distinguir, no horizonte, onde acaba a água e começa o céu. É como se água continuasse para cima. Há aqui uma sensação de irrealidade, um mar que é céu, e isso proporciona uma série de elaborações imagéticas.”
Sob Um Céu de Água (que terá, como o anterior, título bilingue, será também Water Sky) só deve ser lançado em 2020, embora deva ter antes alguns temas disponíveis nas plataformas digitais.