O que Zuckerberg disse — e o que isso diz sobre o futuro do Facebook, Instagram e WhatsApp
O fundador da rede social deu meia-volta e anunciou que a empresa vai focar-se nas mensagens entre utilizadores e na privacidade.
Muito acontece em apenas dois anos. Em 2017, Mark Zuckerberg pretendia construir uma “comunidade global, fazer do Facebook uma “infraestrutura social” e tornar o mundo “mais aberto e conectado”. Agora, quer dar a milhões de utilizadores “o equivalente digital de uma sala de estar”, e transformar a rede social – bem como o Messenger, o Instagram e o WhatsApp – “numa plataforma de comunicações focada na privacidade”.
Num texto publicado nesta quarta-feira, Zuckerberg mostrou como os casos de uso indevido de dados e a desconfiança na opinião pública transformaram as aspirações da maior rede social do planeta.
As mudanças prometem mais privacidade e pretendem ir ao encontro dos desejos de utilizadores que nos últimos anos aderiram em massa a aplicações de mensagens. E também dão pistas sobre o futuro do negócio da empresa: rentabilizar uma plataforma que permita a negócios comunicarem com clientes.
Eis excertos do texto e o que eles deixam adivinhar para o futuro.
“Quando penso no futuro da Internet, acredito que uma plataforma de comunicações focada na privacidade vai tornar-se ainda mais importante nas plataformas abertas de hoje. A privacidade dá às pessoas mais liberdade para serem elas próprias e para se ligarem mais naturalmente (...)”
Logo no primeiro parágrafo, Zuckerberg explica as duas questões centrais: não descurar a privacidade e fazer do Facebook mais uma plataforma de comunicações do que de partilha.
A inversão de rumo surge após dois anos difíceis, no seguimento das eleições presidenciais americanas, do escândalo da consultora política Cambridge Analytica e das explicações dadas no Congresso americano e no Parlamento Europeu.
Mais abaixo no texto, Zuckerberg acrescenta que “as redes sociais públicas vão continuar a ser muito importantes nas vidas das pessoas”, mas considera que “há também uma oportunidade para construir uma plataforma mais simples, focada na privacidade em primeiro lugar”.
“Acredito que o futuro das comunicações vai cada vez mais passar para serviços privados e encriptados, onde as pessoas podem estar confiantes de que o que dizem umas às outras está seguro e que as suas mensagens e conteúdo não vai estar ali para sempre.”
Zuckerberg apresenta duas alterações: a encriptação será regra, com o objectivo de impedir que empresas (incluindo o próprio Facebook), governos e autoridades acedam às comunicações dos utilizadores; e pelo menos parte do conteúdo deixará de estar disponível após algum tempo, numa tentativa de acabar com a ideia de que o que está na Internet fica na Internet.
Frisando que esta alteração de funcionamento ainda está em aberto, Zuckerberg exemplifica: “As mensagens poderiam ser apagadas após um mês ou um ano”. Os utilizadores também poderão ter a possibilidade de mudar aquele período ou desligar a funcionalidade. “E poderíamos também dar-vos a opção para definirem que mensagens individuais expiram após alguns segundos ou minutos”, acrescenta.
Também refere que as aplicações de mensagens da empresa deverão comunicar umas com as outras, permitindo aos utilizadores falarem entre si mesmo que um esteja no Messenger e o outro, no WhatsApp: “Planeamos começar por tornar possível que envie mensagens para os seus contactos usando qualquer um dos nossos serviços, e depois planeamos estender essa interoperabilidade também aos SMS.”
A ideia já tinha sido anunciada há meses.
“Planeamos construir isto da mesma forma que desenvolvemos o WhatsApp: focados na utilização mais privada e essencial – as mensagens – e torná-la o mais segura possível, e depois construir mais formas de as pessoas interagirem em cima disso, incluindo chamadas, conversas em vídeo, grupos, histórias, negócios, pagamentos, comércio e, em última instância, uma plataforma para muitos outros tipos de serviços privados.”
É um dos parágrafos em que o futuro do negócio do Facebook é apresentado: fazer com que as plataformas de comunicação da empresa sirvam para negócios e clientes interagirem, seja para a compra e venda de produtos, seja para questões como o apoio ao cliente.
Embora isso não seja mencionado, é certo que o Facebook cobrará às empresas que queiram usar esta plataforma de comunicação.
Não é uma abordagem nova. Em 2016, o Facebook já tinha criado um formato de anúncios em que, após o clique do utilizador, se abria uma janela do Messenger que dava às marcas a possibilidade de conversarem com a pessoa. Já em 2017, foi anunciada uma funcionalidade do WhatsApp que permite às empresas entrarem em contacto com clientes – por exemplo, para fazerem notificações de entrega de uma encomenda ou lembrarem o horário de um voo. A companhia aérea KLM foi uma das empresas a testar inicialmente este serviço.
Zucerberg dá um exemplo de como imagina isto a acontecer: “Uma pessoa descobre uma empresa no Instagram e facilmente passa para a sua aplicação de mensagens preferida de forma a fazer pagamentos seguros e para apoio ao cliente.”
“As pessoas devem esperar que não guardemos dados sensíveis em países com um fraco registo sobre direitos humanos como a privacidade e a liberdade de expressão (...)”
Zuckerberg compromete-se a garantir que os dados que as pessoas depositam nas plataformas do Facebook não acabem por prejudicá-las em países com regimes repressivos. É uma postura que parece inviabilizar definitivamente a presença da empresa na China, que baniu os serviços do Facebook.
A responsabilidade do Facebook é acrescida em alguns países asiáticos onde as aplicações da rede social são essencialmente sinónimo de Internet para muitas pessoas.
“Ao longo do próximo ano e mais para a frente, há muitos mais detalhes e compromissos relacionados com cada um destes princípios sobre os quais temos de trabalhar.”
É um aviso de que as mudanças não são para já e serão introduzidas de forma gradual.