Como se aplicam os fundos europeus do Norte 2020 numa empresa portuguesa?
Isabel Preto estreou-se há um ano como data analyst na Smartwatt, um empresa especializada em poupança energética. A analista ocupou um dos mais de 35 mil postos de trabalho financiados pela União Europeia através do Norte 2020, projecto que se destina a financiar a contratação de recursos humanos altamente especializados.
A Smartwatt nasceu em Janeiro de 2008 como um spin off do INESC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência) que queria focar-se em aumentar junto dos clientes a rentabilidade dos gastos energéticos e a redução do consumo no geral através de soluções de engenharia e software.
O grande objectivo da empresa e que ainda se mantém onze anos depois é reduzir a factura energética do cliente ao final do mês e optimizar os sistemas de apoio à decisão de cada empresa para que estas consigam obter melhores resultados. "Numa economia orientada para vender, o nosso negócio é poupar", explica Jorge Araújo, CEO e administrador da empresa.
A Smartwatt saiu da Universidade do Porto (UP), mas a Universidade do Porto não saiu da Smartwatt. A empresa continuou com a mesma missão e em 16 trabalhadores, 90% são licenciados em Engenharia pela Faculdade de Engenharia (FEUP) ou pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP).
Entre os maiores clientes da Smartwatt estão empresas como o grupo EDP, a REN (Redes Energéticas Nacionais) ou a Amorim, mas o administrador afirma que a empresa tem clientes das mais diversas áreas. "Desde as indústrias, turismo, plásticos ou vinhos, temos clientes como a Bosch, o Grupo Soja, a GALP, a SONAE, algumas universidades, o IPO-Porto (Instituto Português de Oncologia) ou o The Yeatman Hotel", diz Jorge Araújo.
Isabel Preto é a mais recente contratação da Smartwatt, apesar da sua formação de base não estar relacionada com a engenharia. “Eu estava a leccionar, mas decidi que estava na altura de mudar. Vi uma proposta da Smartwatt no LinkedIn e candidatei-me, fiz os procedimentos normais, e acabei por entrar”, explica.
A formação base de Isabel Preto é a matemática, curso que tirou na Faculdade de Ciência da Universidade do Porto. Seguiu-se um mestrado em estatística na Faculdade de Engenharia da mesma Universidade e um Doutoramento na Universidade do Minho. A instituição de escolha para a pós-graduação foi a Católica Porto Business School já focada no machine learning.
Isabel Preto ocupou um dos mais de 35 mil postos de trabalho financiados pela União Europeia de 2014 a 2020 no âmbito do Norte 2020 e 4,6 mil dessas posições de emprego já estão implementadas e a decorrer. Estreou-se como data analyst na Smartwatt há quase um ano e em princípio deverá lá ficar por mais alguns. Mas para se perceber em concreto o que faz Isabel, é preciso esmiuçar a especialidade da Smartwatt.
“O que faria com a informação de hoje de soubesse o futuro de amanhã?”
Uma das vertentes da Smartwatt tem por base toda a área de eficiência energética. Na prática, a empresa analisa grande parte da informação disponível sobre este campo para que o cliente saiba quando e como tomar as decisões certas. “Por exemplo, o que fazer com essas informações para as empresas que gerem parques eólicos? Pegamos no conjunto de informação como situações críticas por causa da meteorologia que possa pôr em causa a produção de energia e agregamo-la numa plataforma que vai apoiar as decisões de quem gere o parque”, explica Jorge Araújo, CEO e administrador da Smartwatt.
No fundo, é como se fosse uma previsão de tudo o que a empresa pode esperar para os próximos dias em termos de gastos de energia. “O que faria com a informação de hoje se soubesse o futuro de amanhã? Todos nós antes de sairmos de casa e de nos vestirmos planeamos o nosso dia, se levamos guarda-chuva, se levamos botas, e vamos ter um dia muito mais bem-sucedido com o planeamento que fizemos”, diz.
Já Isabel Preto chegou para pôr os mãos na massa na principal vertente da empresa. "O grosso do meu trabalho passa por fazer uma previsão da potência das energias renováveis, como as energias eólicas, solar, entre outras. Começo por fazer um modelo preditivo e uma análise de erro que nos farão perceber o impacto na empresa de determinados acontecimentos ou em determinados dias. No eólico, por exemplo, quanto melhor for a nossa previsão mais a empresa ganha porque esta previsão tem impacto na tomada de decisão dos clientes”, explica Isabel Preto.
O NORTE 2020 foi o instrumento financeiro de apoio ao desenvolvimento regional do Norte de Portugal que permitiu a contratação de vários trabalhadores altamente qualificados e especializados em áreas distintas para várias micro e pequenas empresas portuguesas.
O programa integra o Acordo de Parceria Portugal 2020 e o actual ciclo de fundos estruturais da União Europeia destinados a Portugal e é gerido pela CCDR-N (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte). No total, o fundo tem aplicado desde 2014 3,4 mil milhões de euros de verbas comunitárias.
No caso da aplicação do Norte 2020 à Smartwatt, a ideia foi trazer um trabalhador altamente qualificado e especializado em matemática para o ambiente empresarial. “Na prática, trata-se da incorporação de um data scientist que tivesse como base académica as áreas ligadas à matemática e engenharia”, explica Jorge Araújo. O CEO da Smartwatt acredita que estes projectos são fundamentais para as empresas serem mais rentáveis, mas é preciso que haja um plano preparado antes de acolher o colaborador.
“O Norte 2020 pode alavancar este tipo de investimento, mas é importante referir que isto já fazia parte da estratégia da empresa. É fundamental as empresas que usufruem deste tipo de projectos terem já a sua estratégia delineada porque tanto as pessoas contratadas como os trabalhadores actuais têm de perceber o caminho para que esta pessoa se incorpore na empresa”, explica o CEO da Smartwatt.
Apesar de ser da opinião que grande parte da empresas portuguesas deviam beneficiar destas ajudas, Jorge Araújo acredita que há pontos a melhorar nas candidaturas, principalmente no que toca à burocracia. “Foi um processo moroso. Quando decidimos que íamos fazer este caminho foi em 2015 e a candidatura só foi aprovada quase dois anos e meio depois. Apesar de estes projectos serem interessantes, infelizmente no nosso país as coisas são muito burocráticas e tem processos que não são viáveis para as empresas”, diz Jorge Araújo.
O administrador da Smartwatt acredita que muitas empresas simplesmente se desinteressam pelo financiamento devido à quantidade de burocracia que o envolve, mas não deixa de realçar que é importante para as empresas terem acesso a competências deste género dentro de portas. “São úteis, fomentam a questão de termos pessoas com estas competências altamente evoluídas que desenvolvem ferramentas para melhorar o tecido empresarial de uma forma directa. No fundo metem as mãos na massa directamente nas empresas”, afirma Jorge Araújo.
Para Isabel Preto, que já tinha em mente mudar de vida, estes financiamentos abrem-lhe portas para construir uma carreira. “Se não fossem este tipo de projectos não teria expectativas de crescimentos e de aprendizagem que agora tenho”, diz a analista.