Bancos põem em causa valor das injecções pedidas pelo Novo Banco

A nova injecção de 1149 milhões de euros pedida pela equipa de António Ramalho levantou um coro de críticas. E no sector bancário, há muitas dúvidas sobre o critério que conduziu a um montante tão elevado e que já chegou perto de dois mil milhões de euros em apenas dois anos.

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LUSA/TIAGO PETINGA

A natureza regular e sequencial das transferências de capitais do Fundo de Resolução para o Novo Banco desde que em 2016, foi adquirido pelo norte-americano Lone Star, está a levantar dúvidas junto da banca portuguesa, que injecta fundos no veículo com empréstimos do Estado. E são várias as razões: as contribuições do sector para capitalizar o Novo Banco, embora dentro do programado, são a concretização das piores expectativas; as explicações das necessidades de capital não são comunicadas com clareza, pelo Lone Star e pela equipa chefiada por António Ramalho, nem pelo Banco de Portugal; há receios de que esteja a ocorrer uma “brutal” transferência de verbas do Estado para as empresas de recuperação de créditos que negoceiam com o Novo Banco. 

Os sinais de incómodo do sistema financeiro em relação à actuação do Banco Central Europeu, do Banco de Portugal e do Governo, no dossiê BES/Novo Banco não são recentes. E remontam a Agosto de 2014, quando Pedro Passos Coelho “meteu” o sector bancário a salvar o BES. Dois anos depois, as condições em que o Novo Banco foi vendido ao Lone Star suscitaram o segundo grande embate, com os concorrentes a serem novamente chamados a envolver-se, via Fundo de Resolução. Desta vez, o negócio apresentou um figurino que protege o fundo de private equity norte-americano de correr riscos associados à desvalorização dos activos, pois foi contemplada uma rede de segurança de 3,89 mil milhões (financiada pelo Fundo de Resolução). Um mecanismo que pode ser accionado para compensar as perdas registadas com activos tóxicos e garantir ao Novo Banco o cumprimento das metas de solidez. Na altura, António Costa e Mário Centeno - com papel decisivo do "consultor" Sérgio Monteiro, ex-secretário de Estado do PSD - asseguraram que os 3,89 mil milhões de euros só seriam usados pelo Lone Star em cenário extremo. Mas não foi o que se passou.

Desse então, nada de substancial aconteceu no banco e o quadro macroeconómico até melhorou: a economia tem apresentado taxas de crescimento acima de 2% e os activos imobiliários, os que garantem a maior parte dos créditos tóxicos, valorizaram-se. E o sector, no geral, tem até apresentado resultados positivos neste quadro económico. Os quatro maiores bancos apresentaram lucros que variaram entre 300 e os 500 milhões de euros. Já o Novo Banco fechou 2018 com um prejuízo de 1400 milhões.

O filme é conhecido. O acordo com o Estado foi fechado com o Lone Star e dali a pouco tempo a rede de segurança foi accionada: em 2017, António Ramalho pediu 792 milhões de euros, dos quais o Estado financiou 430 milhões (o restante foi coberto pelos bancos via Fundo de Resolução); em 2018, o gestor, nomeado pelo Lone Star, requereu mais 1149 mil milhões, dos quais, o Estado poderá financiar até 850 milhões por ano. Em resumo: o Lone Star assumiu o Novo Banco no final de 2017, e desde então já esgotou metade, 1,941 mil milhões, da almofada criada para ser usada apenas num quadro de dificuldades.

É este historial, e a dimensão dos pedidos ao Fundo de Resolução, assim como a sua rapidez que suscitam as interrogações dos banqueiros com quem o PÚBLICO falou. E todos alegam que não foram só as piores expectativas que se confirmaram - embora salvaguardando que a acção de Ramalho se enquadra dentro do programa negociado com o Governo ­- é também a ausência de explicações claras para o Lone Star recorrer à rede de segurança prevista. O certo é quanto mais depressa Ramalho limpar o banco, mais depressa este regressará aos lucros e o Lone Star o pode vender com mais-valias.

Para o sector a grande perplexidade é esta: a economia está a melhorar, a CGD, o BCP, o Totta e o BPI têm vindo a reduzir as suas imparidades, enquanto o Novo Banco as tem vindo a agravar, abrindo “buracos” que são tapados pelo Fundo de Resolução, ou seja, pedindo dinheiro ao Estado. A este propósito, o BCP já recorreu mesmo à justiça europeia para tentar travar o funcionamento deste mecanismo com garantia do Estado. Outra perplexidade manifestada pelos responsáveis da banca é esta: se o "lixo" deixado por Ricardo Salgado não foi limpo nos últimos quase cinco anos, o que andaram a fazer os seus gestores, Eduardo Stock da Cunha e António Ramalho? E ainda o BdP? Porque falharam sucessivamente as estimativas sobre a constituição de provisões para cobrir perdas com créditos tóxicos? E o receio é que o Novo Banco tenha estado a apresentar contas incorrectas desde 2014.

Mas há outras questões que ficam em aberto, segundo estes banqueiros, e que auditoria que esta quarta-feira o Governo anunciou que ia pedir à resolução do Novo Banco poderia clarificar, sobretudo se abrangesse o período após a venda: terão os gestores tentado recuperar os créditos problemáticos? Ou o Novo Banco declarou-os como perdidos e vendeu-os a desconto a empresas de recuperação de crédito, indo depois recorrer ao seguro do Governo, dado que o mecanismo já está garantido (até um limite de 3,89 mil milhões)?

E este tema desemboca no ponto considerado o mais delicado, segundo os responsáveis do sector financeiro contactados pelo PÚBLICO: “pode estar em curso no Novo Banco uma brutal transferência de dinheiro dos contribuintes (que emprestam ao Fundo de Resolução) para as empresas de recuperação de créditos que estão a comprar a desconto os activos que o Lone Star descarta”.

Nas contas do Novo Banco são referidas duas operações que representaram perdas de 234 milhões de euros. Uma diz respeito à venda a fundos geridos pela sociedade Anchorage de uma carteira de activos imobiliários, composta por cerca de nove mil imóveis (Projecto Viriato). Outra trata-se de um negócio com um consórcio de fundos geridos pela KKR Credit Advisors e com a LX Investment Partners II para a venda de uma carteira de crédito (Projecto Nata).

Ao todo o sector bancário já meteu no Novo Banco cerca de seis mil milhões de euros. O principal contribuinte é o banco público, Caixa Geral de Depósitos, pelo que os contribuintes perdem por esta via, sempre. Já os outros bancos, vão contabilizar prejuízos através das contribuições para o Fundo de Resolução. Isto é, se ainda cá estiverem dentro de 30 anos. E esta é outra das matérias que os banqueiros dão por delicada: para evitar situações de asfixia, combinaram com o Governo pagar os empréstimos públicos ao Fundo de Resolução com uma prestação fixa, e quando mais dinheiro tiverem de pedir, mais anos ficarão a pagar as dívidas ao Estado. 

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