A sentença está ditada. Goste-se ou não, Conan Osiris vai a Israel representar Portugal no Festival da Eurovisão. Ao contrário daquilo que estamos acostumados no nosso país, Tiago Miranda não precisou de nenhuma cunha ou distracção na secretaria para se tornar num justo vencedor desta edição do Festival da Canção: compôs a música, escreveu a letra e interpretou como bem entendeu. Haverá melhor definição de "mérito"?
Nas últimas semanas, muito se tem debatido acerca das qualidades musicais deste artista. Existe uma legião de fãs que o considera um génio, alguém que conseguiu vencer a batalha contra a "mesmice". Do outro lado da barricada, encontramos entrincheirados todos aqueles que não quiseram aceitar a diferença e, talvez por isso, não poupam esforços em manifestar todo o seu ódio. Por vezes, gosto de imaginar como seria o mundo, se quem odeia colocasse o mesmo empenho em fazer elogios – a imagem que se cria na minha cabeça é deliciosa. Tenho pena que os haters se esqueçam que aquilo que escrevem diz muito mais sobre eles do que sobre o alvo das críticas em si. Enfim.
Gostos musicais à parte, é importante referir que o Conan é apenas um cidadão que está a exercer a sua liberdade de expressão sem prejudicar ninguém. Nenhum de nós é obrigado a gostar e, muito menos, a ouvir. E talvez seja aqui, mais do que no estilo afro-fado-progressivo-tribal, que está a origem de tanto amor e ódio. Esta atitude de "não me interessa o que os outros pensam" provoca admiração em quem se revê nesta forma de abordar a vida, mas, ao mesmo tempo, causa inveja em quem não tem coragem de ser ele próprio.
Conan Osiris não é somente um músico. Conan tornou-se num espelho que reflecte, com uma tremenda clareza, alguns dos conflitos individuais e colectivos que a maioria das pessoas atravessa. Não importa se é algo premeditado ou não, mas a sonoridade disruptiva, a forma de vestir exuberante e os acessórios inesperados são uma afronta aos preconceitos que, cobardemente, nos ajudam a colocar as pessoas e as situações em "gavetas" para, desta forma, nos sentirmos mais seguros.
Não faço ideia qual será o desfecho do Festival da Eurovisão, mas isso também pouco ou nada importa. Tudo isto que está a acontecer deveria fazer-nos questionar a vida que levamos. Quem não gostaria de se exprimir livremente como o Tiago? Quantos é que ainda vivem reféns da opinião dos outros? Quantos é que ainda não têm a "coragem" de se expor desta maneira? Nos dias que correm, em que tantos deixam os sonhos parados, esta atitude perante a vida é, no mínimo, carismática.
No fundo, todos gostávamos de ser um bocadinho Conan. Podemos não admitir isso em voz alta, mas se pararmos para ouvir a voz baixa e amiúde que ressoa dentro de nós, vamos descobrir que em todo o ódio ou fascínio existe alguma inveja. Este desejo em si não tem nada de errado. Tudo depende do que escolhermos fazer com ele. Podemos transformá-lo em amargura e ódio, fechando para sempre a porta à oportunidade de evolução. Ou, com algum amor e humildade, deixarmo-nos inspirar e aproveitar o sismo Osiris para descobrir que ainda temos fendas por preencher.
Obrigado, Conan, por te ergueres no meio da multidão. Não por quereres ser diferente, mas sim porque aceitaste abraçar a tua diferença.