O futuro de Conan Osiris estava escrito
Poucos poderiam adivinhar o fabuloso destino de Tiago Miranda. Mas ele estava todo em potência no mundo pré-Telemóveis.
Ei-lo no centro do ecrã da televisão (ou do telemóvel — estamos em 2019), um corpo metido em paninhos brancos, sapatilhas desportivas, máscara e garras douradas; ei-lo feito centro das conversas de café (ou do Facebook – estamos em 2019). Ei-lo, Conan Osiris, artista experimental feito estrela pop, sucesso nacional, candidato a vencer o Festival Eurovisão da Canção, em Israel.
Poucos poderiam adivinhar o fabuloso destino de Tiago Miranda. Não o adivinhariam mesmo quando Adoro Bolos foi lançado no final de 2017 para explodir como bomba indie no ano seguinte – Conan Osiris foi uma das figuras da cultura em 2018 para o PÚBLICO. Nesse álbum, Tiago encontra um léxico seu, algures entre a electrónica que se dança, a “música do mundo”, a música do país, o fado, o canto cigano, a bizarria pós-género que dispensa facilidades. Celutitite está entre o corridinho, os Animal Collective e a loucura verbal (“Dá-lhe um cu dum Nenuco”); Barcos faz ponte entre o fado e a bass music global (“Eu vejo-te nos barcos a nascer/ Eu vejo-te nos barcos a morrer”), ponte frágil, ponte bela; Titanique reveste-se da solenidade que ouviríamos em Telemóveis – e um instrumental sintonizado com o tempo, entre o aventureiro electrónico Arca e a música do Médio Oriente.
“Posso fazer amanhã uma música tribal com sons açorianos cantados em crioulo de Cabo Verde. Podem ser totalmente diferentes, mas vão encaixar”, dizia ao Ípsilon em Março de 2018. Tiago Miranda pode fazê-lo e talvez por isso seja comparado, apesar das diferenças, ao que Rosalía faz em Espanha com o património flamenco (irritando os puristas) ou ao que António Variações fez em Portugal.
Dizíamos que poucos poderiam adivinhar o fabuloso destino de Tiago Miranda, a conquista do centro de forma tão retumbante. Mas Adoro Bolos e Telemóveis (a canção lançada para o festival, mas que pode ser vista como corolário da linguagem daquele álbum) tinham já antecedentes nos álbuns relativamente obscuros que Conan Osiris lançara através da AVNL Records, casa portuguesa de electrónica audaz.
De lançamento em lançamento, Conan ganhou confiança, aumentou o leque de referências, cortando-as e colando-as, construindo património para, mais tarde, voltar a tudo baralhar. Musica, Normal (2016) atirava-se ao R&B (cantado em inglês, por vezes) e ao mais alucinado trance (1Ovni), cruzava flautas com beats sintéticos, construindo um território fantasista no quarto e no computador de Tiago, entre o profano e o sagrado (“Às cinco da manhã, da manhã/ O espaço e o tempo casaram na minha mão”). Ali, no meio do caos, despontava já a linguagem de Adoro Bolos.
Em Silk, EP de estreia de 2014 que oferecia melancolia e beats, a assinatura de Conan ainda não era óbvia, mas Amalia avisava já para o que aí viria, mesmo que só uma minoria a tenha ouvido. “Sabes que a saudade anda aos beijos com a morte/ A Amália pega em mim e leva-me a dançar”, canta Tiago, fadista improvável pesaroso em cima de sintetizadores-negrume, cordas e batida sintéticas. O futuro estava escrito.