Coronel que liderou Regimento dos Comandos é arguido por falsificação de provas

Processo instaurado no Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, em Junho de 2017, está relacionado com o curso em que morreram os instruendos Hugo Abreu e Dylan da Silva.

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Lusa/Mário Cruz

O coronel Filipe Carvalho Dores Moreira, ex-comandante do Regimento dos Comandos, foi constituído arguido por falsificação de provas, um dos três crimes pelos quais estava a ser investigado. Não foi possível confirmar se também é arguido pelos outros dois crimes no inquérito: insubordinação por desobediência e abuso de autoridade por prisão ilegal, ambos previstos no Código de Justiça Militar. 

Por se tratar de um oficial de alta patente, e por estarem também sob suspeita crimes militares, o comandante, que liderava o Regimento de Comandos quando os dois instruendos Hugo Abreu e Dylan da Silva morreram em Setembro de 2016, está a ser investigado pelo Ministério Público (MP) junto do Tribunal da Relação de Lisboa.

A procuradora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), Cândida Vilar, que investigou as mortes no Curso 127 dos Comandos, deu ordem para se instaurar uma investigação autónoma a Dores Moreira. 

Em Junho de 2017, no despacho em que deduziu a acusação de 19 militares actualmente a serem julgados por crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física, no curso 127, a procuradora mandou extrair uma certidão visando Dores Moreira.

Quanto à suspeita de falsificação de provas, estava em causa a autenticidade de um Guião da Prova Zero que o coronel entregou à investigação (relativa às mortes) dirigida por Cândida Vilar, com a colaboração da Polícia Judiciária Militar.

DIAP queria ver esclarecidas outras duas suspeitas: a da continuação da instrução na manhã de dia 5 de Setembro (embora com exercícios menos intensos), apesar de uma ordem superior do Exército para cancelar “toda a instrução prevista” para esse dia; e ainda a suspeita de um dos instruendos ter sido obrigado a permanecer no curso durante uma semana contra a sua vontade, depois da morte de Hugo Abreu e da hospitalização de Dylan da Silva. 

Em silêncio 

O PÚBLICO tentou confirmar junto do gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República se no âmbito da constituição do coronel como arguido estão igualmente em causa dois crimes militares mas não obteve respostas.

Também contactado, Dores Moreira não confirmou se foi notificado da sua condição de arguido por falsificação de provas. Invocou o seu estatuto de militar no activo e de este ser um processo em curso para não poder comentar a suspeita de que a alteração do manual da prova terá sido intencional. 

“No dia 3 de Setembro de 2016, no Regimento de Comandos, foi distribuído aos instrutores do curso 127 de Comandos, o Guião da Prova do curso 126 de Comandos e não o guião posteriormente enviado ao inquérito”, lê-se no despacho de acusação dos 19 arguidos em julgamento. 

A diferença entre os dois documentos é relevante porque no guião distribuído aos oficiais instrutores, “o consumo de água é racionado e restringido a três cantis (cerca de 3 litros de água) por dia (salvo situações excepcionais a serem analisadas pelos instrutores ou pela equipa sanitária e sancionada pelo director da prova)”. 

Em contrapartida, o guião “junto aos autos para conhecimento da autoridade judiciária”, e entregue pelo Regimento dos Comandos como aquele que teria sido distribuído aos oficiais instrutores, estabelece “o mínimo diário obrigatório em cinco cantis”, lê-se no despacho de acusação. 

Com esta troca, “pretendeu-se fazer crer às autoridades judiciárias” que “efectivamente o consumo mínimo diário de água na Prova Zero do curso 127 de Comandos era de cinco cantis de água” o que não correspondia à verdade, concluiu a procuradora. “Em todos os cursos anteriores, estava previsto um consumo mínimo diário de água de três cantis e era essa a quantidade que constava efectivamente do guião entregue aos oficiais instrutores.”

Acção psicológica

O controlo do acesso à água – segundo consta do guião distribuído efectivamente aos formadores – “constitui um elemento de acção psicológica com o propósito de condicionar psicologicamente os formandos”.

A prova começou no dia 3 de Setembro à noite. Alguns instruendos não dormiram mais de duas horas. Na manhã de dia 4, as temperaturas atingiam já os 35 graus a meio da manhã de um dia em que ultrapassaram os 40 graus Celsius, no Campo de Tiro de Alcochete, onde se realizava a prova.

Houve instruendos que, entre o início da instrução e as 16h, apenas beberam dois litros de água, de acordo com as suas declarações prestadas na fase do inquérito que constam do processo consultado pelo PÚBLICO. Os dois recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu, ambos de 20 anos, não resistiram à falência de órgãos causada por golpe de calor e desidratação extrema, confirmou a autópsia. 

A investigação do DIAP conduziu a um julgamento inédito em que no banco dos réus se sentam os 19 militares acusados – entre os quais oito oficiais, um deles um oficial superior que foi director do curso. O julgamento começou no dia 27 de Outubro de 2018 no Tribunal Central Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa, e apenas foram ouvidas cerca de 20 das 100 testemunhas da acusação. 

O coronel Dores Moreira voltou para a Academia Militar, onde tinha sido professor na década de 90, quando deixou de ser comandante do Regimento da Carregueira, em Julho de 2017. Nesse ano e seguinte, embora bem posicionado para entrar no curso de oficial general, não foi um dos seleccionados pelo Conselho Superior dos Generais do Exército, e viu comprometida a oportunidade que tinha de progredir na carreira militar.

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