Football Leaks : Cluny contesta suspeitas alemãs de parcialidade em relação ao hacker Rui Pinto
Membro português da Eurojust esteve em reunião do Football Leaks. Para a revista Spiegel, há um problema: é pai de advogado com ligações ao banco que acusou Pinto de desvio de dinheiro.
António Cluny, antigo procurador-geral adjunto e representante português na agência europeia de cooperação judiciária (Eurojust), contesta as suspeitas que sobre ele foram lançadas pela revista Spiegel. A publicação alemã sugere que há um conflito de interesses de Cluny em relação a Rui Pinto, pirata informático responsável pelas fugas de informação que deram origem ao Football Leaks.
O magistrado é pai de um dos advogados que representou o banco e que acusava o hacker de apropriar-se 264 mil euros. A Spiegel sustenta que Cluny deveria ter revelado essa relação familiar aos parceiros da Eurojust. O próprio, em declarações ao PÚBLICO, garante que não teve qualquer intervenção nos processos judiciais de Rui Pinto, que se encontra detido na Hungria e à espera que se decida o pedido de extradição feito pelas autoridades portuguesas, para julgar o hacker em Portugal.
“Nem eu intervim nos processos, nem o meu filho teve procuração em algum deles. Não tinha nada para revelar [à Eurojust]. Compreendo que haja uma estratégia de defesa do arguido [Rui Pinto], mas parece que a Spiegel se deixou levar nesta conversa. Do ponto de vista subjectivo e objectivo não há nada para ser discutido”, assegura António Cluny, em declarações ao PÚBLICO nesta quarta-feira. Rui Pinto, por seu lado, reagiu no Twitter. Diz que a notícia da Spiegel confirma os receios em relação à falta de independência da justiça portuguesa, que pede a extradição dele. “Este grande conflito de interesses mostra uma vez mais que será muito difícil eu ter um julgamento justo em Portugal”, escreveu, na terça-feira à noite.
Alemães citam fontes anónimas
O PÚBLICO já tentou contactar João Lima Cluny, filho do magistrado, que trabalha para a sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, mas até ao momento sem sucesso. A revista alemã noticia que esta sociedade tem diversos negócios com o mundo do futebol – área em que efectivamente João Lima Cluny trabalha ou trabalhou, segundo o site daquela empresa de advocacia.
Um dos advogados de defesa de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota (também advogado do PÚBLICO), diz ver “com preocupação” as “revelações” da Spiegel, garantindo que vai “estudar quaisquer implicações legais” do que é relatado pela revista, que foi um dos órgãos de comunicação europeus do consórcio que recebeu os documentos entregues por Rui Pinto. Esse consórcio viria a publicar, em 2016, inúmeros artigos sobre suspeitas de crimes fiscais e outras ilegalidades no mundo do futebol. Mas foi a Spiegel que, em exclusivo, confirmou, anos depois, a identidade da fonte do Football Leaks, quando Pinto foi detido em Budapeste, a 16 de Janeiro de 2019, indiciado de seis crimes, dois de acesso ilegítimo, dois de violação de segredo, um de ofensa a pessoa colectiva e ainda uma tentativa de extorsão.
O artigo da Spiegel – assente em fontes anónimas (versão original aqui; versão inglesa aqui) – dá conta de um alegado desconforto dentro da Eurojust pelo facto de Cluny não ter comunicado ser pai de um advogado com ligações a nomes como o agente Jorge Mendes ou o futebolista Cristiano Ronaldo, ambos referenciados no caso Football Leaks.
Esse suposto desconforto terá surgido depois de Cluny ter estado presente numa reunião alargada de trabalho da Eurojust, sobre o caso Football Leaks. Nessa reunião, como diz a própria revista, pretendia-se analisar a cooperação judiciária europeia nas investigações deste caso. Não envolvia tomadas de decisão e a presença de Cluny não violava nenhuma norma sobre eventuais conflitos de interesse, como de resto fica claro pela leitura atenta do artigo da Spiegel. Nem estava em causa o processo de extradição de Rui Pinto.
No mesmo sentido, Cluny diz ao PÚBLICO: “A minha intervenção não esteve relacionada com o mandado de detenção europeu [de Rui Pinto].” E sublinha ainda que o pedido de extradição português “não tem nada a ver com o Football Leaks”.
A publicação alemã descreve, com detalhe e até alguma adjectivação, a presença de Cluny nessa reunião. E garante que há membros da Eurojust que encaram o silêncio do representante português como razão para uma grave quebra de confiança. Porém, não identifica uma única fonte.
A Spiegel revela que João Lima Cluny representou um banco sediado nas Ilhas Caimão que acusou Rui Pinto de desviar 264 mil euros, em 2013. Essa disputa judicial acabou com um acordo – “ainda antes de vir para a Eurojust, esse caso já estava encerrado”, destaca António Cluny. O despacho da nomeação do magistrado foi publicado no Diário da República a 7 de Outubro de 2014. O acordo entre Rui Pinto e o banco representado pela sociedade onde trabalha o filho de António Cluny foi fechado precisamente nesse mês, como o PÚBLICO noticiou.