Na Squid Ink Works, a criatividade não se mede ao metro quadrado

Aqui tanto se pode admirar uma pintura, como assistir a um concerto ou aprender um novo instrumento. A Squid Ink Works é uma pequena loja-galeria pronta a "ajudar a divulgar" o trabalho criativo produzido "neste momento" no Porto.

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A Squid Ink Works vende produtos como sacos de pano, cadernos e postais baseados no trabalho dos artistas. Nelson Garrido

Ao contrário do que o nome indica, a Squid Ink Works nunca usou tinta de lula nos seus trabalhos, mas apresenta um repertório das mais variadas criações artísticas do Porto. Ana Trabulo, co-fundadora, recebeu o P3 na loja que é também uma galeria de portas abertas desde Outubro no número 110 da Rua do Loureiro. A ideia passa por divulgar "o que se passa por cá", num espaço apertado em que qualquer canto livre se torna num expositor da criatividade local.

As criações são imensas e espalham-se pelas paredes, prateleiras e estantes. Nem sequer as mesas de trabalho ficam despidas da vibratilidade de cores e desenhos que preenchem o atelier, resultantes de técnicas como linogravura, serigrafia, gravura ou papercut. Uma variedade de estilos que é fruto das diferenças entre os vários criadores que colaboram com a Squid Ink Works, entre os quais Rita Só, Vital Lordelo e Kasia Harciarek. "Tentamos ter um bocado de tudo", diz Ana Trabulo. A artista, formada em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, quer "ajudar a divulgar o trabalho que se faz" na cidade. Para isso, o espaço está aberto a sugestões e propostas informais da comunidade local, de portugueses ou estrangeiros, desde que seja "produzido aqui, neste momento".

O espaço abriu em Outubro perto da Estação de São Bento Nelson Garrido
A linogravura é uma das principais técnicas de impressão utilizadas Nelson Garrido
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O espaço abriu em Outubro perto da Estação de São Bento Nelson Garrido

Muito do trabalho exposto actualmente é da autoria dos fundadores, Ana e Andrew Winn. Que vieram aqui parar porque os donos do prédio, amigos do artista britânico, queriam que a loja do rés-do-chão acolhesse algo "um bocadinho diferente, para dar outra vida à rua". Lançaram o desafio e Andrew começou a procurar pessoas que pudessem alinhar no projecto. Pelas redes sociais e entre e-mails trocados, Ana acabou por dizer "sim". "Conhecemo-nos assim, não nos conhecíamos antes", refere a artista.

A ideia inicial, no entanto, não passava pela cooperação com a comunidade local. "Seria para ter os nossos trabalhos, mas depois percebemos que se calhar era interessante ter mais pessoas a bordo deste projecto", diz a jovem de 31 anos. Até para "rodar artistas" e "ter sempre alguma coisa de novo a acontecer". É que o projecto também se estende a outras artes, como a música e a dança. "Estamos abertos a workshops: já tivemos de colagem criativa, de percussão e cante ibérico, danças galegas… e resultou bem!"

O tamanho não é problema, até mesmo para a realização de concertos — "cabem 25 pessoas confortavelmente", assegura Ana. Basta encostar as mesas centrais e o atelier até parece ganhar metros quadrados, seja para actuações musicais, seja para aulas de dança. Também há lições de adufe (orientadas pela própria fundadora) e acordeão. A inclinação aparente para a música local e tradicional não passa de um resultado das circunstâncias. Propostas aceitam-se: "Se alguém quiser dar aulas de cavaquinho, se alguém quiser fazer outra coisa", as portas estão abertas.

Aqui, a comunidade local é a "maior força" de um projecto que valoriza a partilha de conhecimentos: "É muito bom ter pessoas que passam aqui, trazem o instrumento, estão a tocar ou vêem, falam um bocadinho, falam de outros trabalhos." Situada no seio da comunidade islâmica e numa altura em que Rua do Loureiro faz parte dos roteiros turísticos, a Squid Ink Works não teme o cosmopolitismo. O turismo é, para Ana, uma “mais-valia” para o trabalho dos artistas. Ainda assim, as prateleiras continuam a estar destinadas à originalidade local. "Não é um espaço virado para o turismo, é virado para nós."

Já só falta a tinta de lula

Andrew Winn já viveu na Ucrânia e no Vietname, mas agora é no Porto que suja as mãos. Não com tinta de lulas, mas sim com linóleo. O artista britânico baseia grande parte das suas obras nas técnicas de linogravura, com as quais já criou, por exemplo, séries inspiradas na cidade do Porto e em peças de fruta e vegetais.

Já Ana Trabulo licenciou-se em Pintura e fez um mestrado em Educação Visual e Tecnológica. Contudo, face à falta de oportunidades em Portugal, emigrou para o Reino Unido. Lá, durante quatro anos trabalhou como professora de substituição: "Basicamente", recorda, "todas as manhãs levantava-me às 6h, tomava banho, arranjava-me e às 7h já estava pronta para receber um telefonema para me mandarem para uma escola".

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Ana Trabulo dá aulas de adufe, mas também toca caixa e bombo. O gosto pela percussão tradicional começou nos tempos de faculdade. Nelson Garrido

Regressou a Portugal "há cerca de ano e meio" e acabou por apostar neste projecto. Quer tornar a arte acessível a todos. Para isso, para além das pinturas e ilustrações, criou vários produtos, como cadernos, sacos de pano e postais, para que "as pessoas possam levar um bocadinho" do seu trabalho, "sem ter que comprar um original que fica sempre mais caro".

Para já, o que ainda não entrou no espaço foi tinta... de lulas. Squid Ink Works ("trabalhos com tinta de lula", numa das traduções possíveis) foi uma forma de escapar a um "nome óbvio" que incluísse palavras como "creative", "art" ou "Porto". "Lembrámo-nos que seria curioso um dia fazermos qualquer coisa com a tinta da lula", diz Ana. "Um dia, ainda vamos ter que fazer alguma coisa com isso".

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Muito do trabalho de Ana Trabulo é transposto para os produtos vendidos no local. Nelson Garrido
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