Sarri versus Kepa: as versões da história e o que diz a lei

O árbitro nada poderia ter feito e o treinador fez o que podia. Sarri e Kepa falam de um “mal-entendido”.

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David Luiz esteve alguns instantes a falar com Kepa. Reuters/CARL RECINE

Pergunta: Um jogador recusa-se a ser substituído. O que deve fazer o árbitro?

  1. Esperar até que o capitão e a equipa técnica convençam o jogador a sair.
  2. Deixar prosseguir o jogo.
  3. Mostrar cartão amarelo, por comportamento antidesportivo, e ordenar ao jogador que saia.
  4. Dar o jogo por terminado, mencionando os factos no relatório de jogo.

Resposta: deixar prosseguir o jogo.

Neste domingo, Kepa, guarda-redes do Chelsea, recusou-se a ser substituído, nos minutos finais da final da Taça da Liga Inglesa, frente ao Manchester City. Este cenário – que muitos pensavam ser apenas possível em testes de arbitragem e aprendizagens teóricas – aconteceu mesmo e as imagens estão a correr o mundo.

À luz das Leis do Jogo, árbitros, treinadores e colegas de equipa nada mais podem fazer do que pedir ao jogador que saia. Se este se recusar, o jogo prossegue. Parece estranho que um jogador “mande” mais do que o próprio treinador e o árbitro, mas a lei é clara.

Na Lei 3 – “Os jogadores” – é referido o “processo de substituição de um jogador”. No último ponto está escrito que “se um jogador que vai ser substituído se recusar a deixar o terreno de jogo, o jogo continua”.

Por isso, o árbitro do Chelsea-Manchester City, Jonathan Moss, pouco podia fazer perante a recusa de Kepa em sair do campo. Kepa quis ficar em campo e… ficou.

Outra questão que tem sido levantada é a do possível cartão amarelo a Kepa, por retardar o recomeço do jogo. À luz da lei, o guarda-redes espanhol não poderia ter sido penalizado (e não foi)​. O jogador "apenas" fez valer o seu direito de ficar em campo e caberia ao árbitro recomeçar a partida logo que o jogador o informasse da sua intenção - algo que o espanhol fez prontamente. Todo o atraso se justifica com o facto de ser uma situação rara e que carecia de uma explicação aos elementos técnicos que, possivelmente, desconheciam a lei que "defendeu" a opção de Kepa.

Mal-entendido entre Kepa e Sarri

Em Wembley, foi visível foi a intransigência de Kepa e a ira do técnico dos "blues", Maurizio Sarri. Há, ainda, quem tenha falado da preferência de Sarri em ter Caballero – especialista a defender penáltis – no desempate após o prolongamento. O certo é que, oficialmente, a versão que fica é um desentendimento acerca de uma possível lesão do guarda-redes espanhol.

Já após a partida – que o City venceu nos penáltis –, Maurizio Sarri disse que “queria que Caballero entrasse, mas Kepa queria dizer que estava em condições”. “Pensei que ele não estava em condições, devido a cãibras, mas o médico explicou-me que não havia nada", detalhou ainda.

Também o guardião espanhol falou de um lapso de comunicação com o técnico. “Em momento algum foi minha intenção desobedecer ao técnico ou a qualquer das suas decisões”, começou por justificar, no Twitter, acrescentando: "Foi tudo um mal-entendido (…) o treinador achou que eu não estava em posição de continuar e a minha intenção era expressar que estava em boas condições para continuar a ajudar a equipa”.

A título de curiosidade, fica o registo de penáltis defendidos por cada um dos guarda-redes: Caballero tem 42% de sucesso na carreira (sofreu 21 em 36), enquanto Kepa soma 32% (sofreu 17 em 25).

Sarri não deu uma de van Gaal

Substituir guarda-redes nestes momentos pode acabar por correr bem. Parecia estar tudo planeado nos quartos-de-final do Mundial de 2014, no Brasil, quando a Holanda venceu a Costa Rica por 4-3, após grandes penalidades, desfazendo um empate a zero. O seleccionador na altura, Louis van Gaal, usufruiu da (ainda) terceira e última substituição após 120 minutos para Tim Krul defender as redes da “laranja mecânica”, tirando Jasper Cillessen das quatro linhas.

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Substituição de guarda-redes, após 120 minutos de jogo, ordenada por Louis van Gaal nos quartos-de-final do Mundial 2014 Marcos Brindicci/Reuters

Com apenas oito internacionalizações pela Holanda, Tim Krul terá este momento para recordar. O guardião, hoje com 30 anos e a jogar no segundo escalão inglês pelo Norwich, defendeu o segundo penalty dos costa-riquenhos, batido pelo ex-Sporting Bryan Ruiz e o último por Michael Umana. Os outros tentos passaram por Krul, mas adivinhou todos os lados dos remates.

Cillessen, actual guarda-redes do Barcelona, não sabia de nada, admitiu Louis van Gaal. “Nós não dissemos ao Jasper porque não queríamos que ele soubesse antes do jogo. Todos os guarda-redes têm qualidades específicas. Tim tinha um maior alcance e um melhor histórico de penalidades do que o Cillessen. Ele sabia que tinha de estar preparado, se não tivesse, o erro seria meu.”

Nas meias finais deste Mundial, a Holanda encontrou-se com a Argentina e o jogo ficou também empatado a zero após 120 minutos. No desempate por penaltys, van Gaal já tinha feito três substituições e o titular da baliza era Cillessen – que não foi o herói e a Holanda ficou pelo caminho após derrota por 4-2.

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