Sarri versus Kepa: as versões da história e o que diz a lei
O árbitro nada poderia ter feito e o treinador fez o que podia. Sarri e Kepa falam de um “mal-entendido”.
Pergunta: Um jogador recusa-se a ser substituído. O que deve fazer o árbitro?
- Esperar até que o capitão e a equipa técnica convençam o jogador a sair.
- Deixar prosseguir o jogo.
- Mostrar cartão amarelo, por comportamento antidesportivo, e ordenar ao jogador que saia.
- Dar o jogo por terminado, mencionando os factos no relatório de jogo.
Resposta: deixar prosseguir o jogo.
Neste domingo, Kepa, guarda-redes do Chelsea, recusou-se a ser substituído, nos minutos finais da final da Taça da Liga Inglesa, frente ao Manchester City. Este cenário – que muitos pensavam ser apenas possível em testes de arbitragem e aprendizagens teóricas – aconteceu mesmo e as imagens estão a correr o mundo.
À luz das Leis do Jogo, árbitros, treinadores e colegas de equipa nada mais podem fazer do que pedir ao jogador que saia. Se este se recusar, o jogo prossegue. Parece estranho que um jogador “mande” mais do que o próprio treinador e o árbitro, mas a lei é clara.
Na Lei 3 – “Os jogadores” – é referido o “processo de substituição de um jogador”. No último ponto está escrito que “se um jogador que vai ser substituído se recusar a deixar o terreno de jogo, o jogo continua”.
Por isso, o árbitro do Chelsea-Manchester City, Jonathan Moss, pouco podia fazer perante a recusa de Kepa em sair do campo. Kepa quis ficar em campo e… ficou.
Outra questão que tem sido levantada é a do possível cartão amarelo a Kepa, por retardar o recomeço do jogo. À luz da lei, o guarda-redes espanhol não poderia ter sido penalizado (e não foi). O jogador "apenas" fez valer o seu direito de ficar em campo e caberia ao árbitro recomeçar a partida logo que o jogador o informasse da sua intenção - algo que o espanhol fez prontamente. Todo o atraso se justifica com o facto de ser uma situação rara e que carecia de uma explicação aos elementos técnicos que, possivelmente, desconheciam a lei que "defendeu" a opção de Kepa.
Mal-entendido entre Kepa e Sarri
Em Wembley, foi visível foi a intransigência de Kepa e a ira do técnico dos "blues", Maurizio Sarri. Há, ainda, quem tenha falado da preferência de Sarri em ter Caballero – especialista a defender penáltis – no desempate após o prolongamento. O certo é que, oficialmente, a versão que fica é um desentendimento acerca de uma possível lesão do guarda-redes espanhol.
Já após a partida – que o City venceu nos penáltis –, Maurizio Sarri disse que “queria que Caballero entrasse, mas Kepa queria dizer que estava em condições”. “Pensei que ele não estava em condições, devido a cãibras, mas o médico explicou-me que não havia nada", detalhou ainda.
Também o guardião espanhol falou de um lapso de comunicação com o técnico. “Em momento algum foi minha intenção desobedecer ao técnico ou a qualquer das suas decisões”, começou por justificar, no Twitter, acrescentando: "Foi tudo um mal-entendido (…) o treinador achou que eu não estava em posição de continuar e a minha intenção era expressar que estava em boas condições para continuar a ajudar a equipa”.
A título de curiosidade, fica o registo de penáltis defendidos por cada um dos guarda-redes: Caballero tem 42% de sucesso na carreira (sofreu 21 em 36), enquanto Kepa soma 32% (sofreu 17 em 25).
Sarri não deu uma de van Gaal
Substituir guarda-redes nestes momentos pode acabar por correr bem. Parecia estar tudo planeado nos quartos-de-final do Mundial de 2014, no Brasil, quando a Holanda venceu a Costa Rica por 4-3, após grandes penalidades, desfazendo um empate a zero. O seleccionador na altura, Louis van Gaal, usufruiu da (ainda) terceira e última substituição após 120 minutos para Tim Krul defender as redes da “laranja mecânica”, tirando Jasper Cillessen das quatro linhas.
Com apenas oito internacionalizações pela Holanda, Tim Krul terá este momento para recordar. O guardião, hoje com 30 anos e a jogar no segundo escalão inglês pelo Norwich, defendeu o segundo penalty dos costa-riquenhos, batido pelo ex-Sporting Bryan Ruiz e o último por Michael Umana. Os outros tentos passaram por Krul, mas adivinhou todos os lados dos remates.
Cillessen, actual guarda-redes do Barcelona, não sabia de nada, admitiu Louis van Gaal. “Nós não dissemos ao Jasper porque não queríamos que ele soubesse antes do jogo. Todos os guarda-redes têm qualidades específicas. Tim tinha um maior alcance e um melhor histórico de penalidades do que o Cillessen. Ele sabia que tinha de estar preparado, se não tivesse, o erro seria meu.”
Nas meias finais deste Mundial, a Holanda encontrou-se com a Argentina e o jogo ficou também empatado a zero após 120 minutos. No desempate por penaltys, van Gaal já tinha feito três substituições e o titular da baliza era Cillessen – que não foi o herói e a Holanda ficou pelo caminho após derrota por 4-2.