Contra-revolta?

Apesar de ser difícil categorizar ideologicamente a juventude europeia, é sabido que são maioritariamente europeístas. Será que a existência de um inimigo comum vai inspirar a gente nova do velho continente a encetar uma contra-revolta europeísta?

Aproximam-se as eleições europeias. Uma sondagem levada a cabo pelo Parlamento Europeu indica que a direita nacionalista poderá aumentar a sua presença naquele órgão representativo. O grupo parlamentar Europa das Nações e das Liberdades, ao qual pertencem os partidos de Le Pen e Salvini, possivelmente reforçará a sua presença no Parlamento Europeu de 5% para 8%. O grupo parlamentar Europa da Liberdade e da Democracia Directa também deverá ser bem-sucedido, especialmente se o Movimento Cinco Estrelas italiano e a Alternativa para a Alemanha (AfD) conseguirem mobilizar os seus eleitorados. O centro-esquerda, isto é, os socialistas, serão os maiores perdedores. Segundo a mesma sondagem, é provável que as forças políticas anti-UE venham a deter 14% do voto europeu, uma percentagem comparativamente pequena mas mais do que suficiente para alterar os delicados equilíbrios parlamentares existentes.

Poderão as sondagens não reflectir fidedignamente o que se passa na Europa? É uma possibilidade que não deve ser menosprezada. Na Alemanha é possível que a AfD seja apanhada de surpresa pela mobilização inesperada dos europeístas Verdes e pela crescente apatia de muitos eleitores da AfD. Em Itália, a recente disputa com a França de Macron e o recuo do governo italiano às imposições de Bruxelas, poderão induzir muitos italianos a reflectirem de forma mais ponderada acerca da UE. A situação económica da Itália não tem vindo a melhorar. Muito pelo contrário. As promessas de Salvini e Di Maio perdem credibilidade com cada dia que passa. O sonho nacionalista teima em não se materializar. O pesadelo de outrora persiste inalterado. Por outro lado, o fenómeno "Brexit" já se transformou há muito numa espécie de pedagogia perversa para todos os eurocépticos: os custos da saída da UE são muito mais elevados do que muitos julgavam.

Curiosamente, nacionalistas como Le Pen tem vindo a moderar o seu anti-europeísmo com propostas menos assertivas (A UE como uma confederação), certamente calculadas para angariar conservadores indecisos para a causa nacionalista. A Reunião Nacional francesa de Le Pen certamente poderá recolher frutos eleitorais de uma meticulosamente coreografada “ambiguidade constructiva” e, além disso, da acção directa infernal dos Coletes Amarelos que debilitaram e continuam a debilitar Macron. É importante perceber que Macron é, por ora, o último e único reduto da direita moderada francesa. Marine Le Pen tenta a todo o custo expandir o seu território de caça. A meu ver, é à luz deste imperativo predatório que devem ser interpretadas as agitadas movimentações dos Coletes Amarelos. Um Macron moribundo e uma direita dilacerada seria uma oportunidade de ouro para Marine Le Pen. Na França, a probabilidade de uma surpresa pró-europeia é certamente menor. Todavia, tal como na Alemanha, não devemos subestimar a revolta crescente de uma geração ainda algo indefinida ideologicamente mas intrinsecamente europeísta.

Os Verdes franceses, quiçá seguindo a tendência germânica, e os temperamentais insubmissos de Mélànchon, poderão também surpreender a direita nacionalista francesa com bons resultados. Acredito, quiçá ingenuamente, que a ascensão da direita nacionalista em 2018 por quase toda a Europa poderá vir a revelar-se um precioso estímulo a uma maior participação da juventude nestas eleições. Apesar de ser difícil categorizar ideologicamente a juventude europeia, é sabido que são maioritariamente europeístas. Será que a existência de um inimigo comum vai inspirar a gente nova do velho continente a encetar uma contra-revolta europeísta? Quais seriam as consequências desta possível insurreição? O tempo dirá. Se esta contra-revolta se materializar, ficaremos a saber, de uma vez por todas, que o sonho europeu não foi suplantado pelo ardor nacionalista. Significaria, sem dúvida, que o que era tido por muitos como mito inatingível (a UE) será facto e o que era tido como facto inquestionável (a nação e o nacionalismo) será mito. Uma inversão salutar e desejável.

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