Guaidó espera que impacto político compense a perda da batalha da ajuda
Camiões de ajuda voltam para trás. Maduro canta vitória e corta relações com Colômbia - "Estou mais firme que nunca". Guaidó fala em passo decisivo - "Depois de hoje tudo vai voltar a mudar na Venezuela". Morreram quatro pessoas.
O dia de sábado na Venezuela foi um braço-de-ferro que terminou com perdas e ganhos: o regime conseguiu impedir a passagem de ajuda humanitária dos EUA e Brasil, com o Presidente, Nicolás Maduro, a declarar que o país “não precisa de ajuda” e a dizer ao Brasil que está disposto a comprar “todo o arroz, açúcar e carne que vendam”. Mas mostrou-se como um regime que usou “meios paramilitares” para "parcialmente bloquear a ajuda". E segundo a organização não-governamental Foro Penal, morreram pelo menos quatro pessoas.
O regime de Nicolás Maduro cantou vitória: a ajuda humanitária que o seu rival, Juan Guaidó, queria fazer entrar no país, não passou. “Estou mais firme do que nunca”, disse o Presidente da Venezuela em Caracas, no meio de uma manifestação de apoiantes. Se a medida do poder era impedir a entrada da ajuda, ele venceu.
No seu discurso, Maduro falou ao Presidente dos EUA, Donald Trump – “Tira as mãos da Venezuela” – e questionou Juan Guaidó – “Onde está a convocatória para eleições presidenciais do suposto presidente interino?”. No meio da manifestação, dançou com a sua mulher.
Apesar de terem pedido a batalha, os opositores sentem que foi o início de um movimento de pressão.
Na Colômbia, junto à fronteira, e do alto de um dos camiões da ajuda, ao final do dia, Guaidó pediu aos apoiantes: “Não sejam impulsivos, sejam inteligentes”. Mas os jornalistas mostravam já como muitos estavam a juntar pedras para potencialmente atirar aos soldados venezuelanos. Depois de terem sido incendiados três dos camiões, a ordem era para não avançar mais.
Guaidó acusou o regime de “um acto de guerra”. E no Twitter explicou: “Continuamos a receber o apoio da comunidade internacional que pode ver, com os seus próprios olhos, como o regime usurpador viola a Convenção de Genebra, onde se diz claramente que destruir a ajuda humanitária é um crime contra a humanidade”.
E descreveu o dia como decisivo: “Depois de hoje, tudo vai voltar a mudar na Venezuela porque se quebrou a cadeia de comando”, disse. “Já não obedecem às ordens do ditador e põem-se do lado da Constituição da Venezuela para salvar vidas do nosso povo.”
Na ponte Simão Bolívar, ao final do dia, os manifestantes estavam esgotados. “Esta ponte estava cheia de energia optimista esta manhã”, contava o jornalista freelance (Washington Post, Wall Street Journal) Dylan Baddour. “Agora está cheia, mas calada, cheia de caras desalentadas enquanto os líderes discutem o próximo passo.”
Quatro mortos
Guaidó começou o dia em tom vitorioso garantindo que a ajuda começara a entrar na Venezuela, onde há carência de bens alimentares e medicamentos. Os militares do exército bolivariano foram inamovíveis e não deixaram mesmo os gigantes camiões passar, mas o modo como impediram os manifestantes determinados deixou pelo menos 20 feridos apenas num dos pontos, Uruña, na fronteira com a Colômbia, segundo a agência Efe.
A maioria foi atingida por gás lacrimogéneo, mas três tinham ferimentos de munições ou balas de borracha, segundo fontes do centro hospitalar onde foram tratados. A jornalista do El País Florantonia Singer relatou disparos durante cerca de duas horas.
A Foro Penal, organização não-governamental com sede em Caracas, diz que na fronteira com o Brasil, outro ponto nevrálgico da operação, morreram quatro pessoas atingidas por balas – e 18 ficaram feridas também por disparos –, um número mais tarde confirmado pelo deputado Juan Andrés Mejía em nome da Assembleia Nacional, de que é presidente Guaidó. Na sexta-feira tinham morrido duas no mesmo local.
O local onde a violência foi mais letal foi na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, uma zona onde vivem índios pemone. “O que se passou na fronteira com o Brasil não é repressão comum”, declarou Mejía, citado pelo diário El País. “É um massacre contra o povo índio pemone.”
Na capital, milhares de pessoas concentraram-se junto a instalações militares para apelar às Forças Armadas a mudar de lado e deixar entrar a ajuda. A dada altura foram até ao aeroporto militar de La Carlota.
Só 23 deserções
Estas manifestações de apelo aos militares foram um ponto a favor de Guaidó, mas se o objectivo era uma mudança de lado das tropas, esse foi gorado. Mesmo assim, a cada deserção filmada na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, Guaidó ia publicando os vídeos na sua conta no Twitter, e cada soldado que passava de lado era celebrado como uma vitória. Segundo a Colômbia, 23 desertaram.
O autoproclamado Presidente interino fez vários apelos aos militares: “Bem-vindos ao lado certo da História”, disse Guaidó no início do dia, prometendo “amnistia e garantias a quem ficar do lado do povo”.
O dia foi um vai-e-vem de tensão e ocasional violência. Focando-se em duas pontes na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia, os camiões esperavam e duas frentes de soldados venezuelanos deixavam claro que não iriam deixar ninguém passar – com gás lacrimogéneo, primeiro, e disparos, de seguida.
O dia expôs, disse numa conferência de imprensa ao final do dia o secretário general da Organização de Estados Americanos, Luis Almagro, um regime que actua de forma “cobarde, indecente”, que “bloqueou parcialmente até agora a ajuda humanitária”, usando “meios paramilitares como meio de repressão, dispararam contra pessoas desarmadas".
Enquanto isto, Maduro anunciou o corte de relações com a vizinha Colômbia, base operacional da tentativa de passagem da ajuda. “A paciência acabou-se - disse Maduro -, não podemos continuar a suportar a Colômbia ser território usado para ataques na Venezuela”. A Colômbia respondeu que embora não reconhecesse o rompimento das relações (reconhece Guaidó como Presidente), vai retirar o seu pessoal diplomático “para garantir a sua integridade física”.