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Portugueses queixam-se pouco de discriminação e de crimes de ódio

Três em cada dez pessoas inquiridas num estudo da APAV conhecem alguém que já foi vítima de crimes de ódio ou de discriminação. E 7% admitem que elas próprias o foram. Poucas se queixam.

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A APAV estranha que os temas dos crimes de ódio e da discriminação sejam tão pouco abordados nas escolas Daniel Rocha

O primeiro barómetro da Associação de Apoio à Vítima/Intercampus dedicado à Percepção da População sobre Discriminação e Crimes de Ódio mostra que a esmagadora maioria dos inquiridos (97%) conhece ou já ouviu falar destes conceitos, tendo 7% das pessoas neste universo sido vítimas de discriminação, de crimes de ódio ou de violência discriminatória. Perto de um terço (31%) admitiu conhecer alguém que já foi vítima destes actos.

São números “significativos”, que não surpreendem Joana Menezes, gestora a Rede de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Assim como não a surpreendem os dados que indicam que há ainda poucas pessoas a queixarem-se destes actos e que muitas não sabem onde se devem dirigir para o fazer. É preciso mais formação, alerta.

O barómetro, construído com base em 810 entrevistas telefónicas, até indica que os portugueses sabem o que são actos de discriminação ou de violência discriminatória, mas a forma como essa informação lhes está a chegar é um dos motivos de alerta para a responsável da APAV.

Os dados mostram que o acesso em contexto educativo só surge em quinto lugar, atrás da televisão, dos jornais e revistas, das conversas com amigos ou familiares e da Internet. “Não deixa de nos mostrar que alguma coisa falha, quando este tema parece tão pouco falado nas escolas. É extremamente necessário que se fale disto ali, num contexto fidedigno e em que as pessoas possam compreender tudo o que está em causa.”

É que esse conhecimento mais sustentado, defende Joana Menezes, pode ajudar a resolver algumas lacunas detectadas no barómetro que é divulgado hoje — Dia Europeu da Vítima de Crime —, na sede da APAV, em Lisboa. Começando com o que se deve fazer, quando se quer denunciar um acto de discriminação.

Partindo do grupo de 275 inquiridos que disse ter sido vítima ou conhecer alguém que foi vítima de discriminação ou de crimes de ódio ou ainda de violência discriminatória, percebe-se que a grande maioria (64%) se refere à primeira situação, enquanto 21% falam apenas de crimes de ódio e 14% das pessoas reportam-se a ambos os casos (há ainda 1% que não sabem ou não respondem).

O que é que aconteceu quando estas pessoas foram vítimas ou se aperceberam de um acto de discriminação? Setenta e um por cento não fizeram qualquer queixa ou participação. As razões apresentadas são várias, sendo as mais representativas o “Não dei importância à situação” (24%) ou “Não acredito que valesse a pena” (20%). Entre os 29% de inquiridos que assumiram ter-se queixado, 44% dirigiram-se à PSP. E é aqui que Joana Menezes faz um novo alerta.

Falta formação

“O número de pessoas que não denuncia é muito grande, mas também é significativo que a maior parte dos que se queixaram tenha participado à PSP. Podem fazê-lo, mas as autoridades policiais não são as adequadas nos casos de discriminação”, diz. Existem outros organismos públicos e associações que é preferível contactar, como a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, se o que está em causa é discriminação de género, por exemplo.

“Há uma clara necessidade de formação, para que as pessoas saibam onde podem recorrer, quais são os seus direitos e onde se enquadram as práticas de que foram alvo.”

No caso dos actos de discriminação, mais de metade dos inquiridos aponta como motivo — também sem surpresa para a gestora da rede — o preconceito em relação à origem racial/étnica (51%), seguindo-se, entre os mais representativos, a nacionalidade (16%), a identidade de género (11%), a orientação sexual (8%), uma característica física (8%) ou uma deficiência (7%). A forma como essa discriminação se fez sentir assume diferentes formas: impedimento ou limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica (31%), recusa de acesso a locais públicos ou abertos ao público (28%), recusa de acesso a bens ou serviços (18%), recusa ou limitação de acesso a estabelecimentos de educação de ensino público ou privado (13%) ou a recusa ou condicionamento de venda ou arrendamento de imóveis (9%) são as mais referidas.

PÚBLICO -
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Quando o que está em causa é um crime ou uma situação de violência discriminatória, a base de partida do barómetro são as 97 pessoas que assumiram ter sido vítimas ou conhecer alguém vítima destes actos — que vão dos insultos e agressões verbais (55%) às agressões físicas (41%), ameaças (30%), bullying e/ou assédio (25%) ou um comportamento ameaçador (20%). As agressões sexuais, o roubo ou as mensagens com discurso de ódio surgem, cada uma, em 4% dos casos.

O barómetro indica que estes crimes são praticados sobretudo na via pública (44%), na residência da vítima (23%), no seu local de trabalho (19%) ou ensino (15%), mas também em serviços de atendimento público (5%). E os autores são uma única pessoa em 55% dos casos, mais do que uma pessoa, em 36% das situações, ou um grupo organizado, em 13% das situações. São os desconhecidos (43,3%) quem mais pratica estes crimes, mas logo a seguir surgem identificados “colegas” (38,1%).

Etnia e orientação sexual

No topo dos motivos estão, de novo, os preconceitos relacionados com origem racial/étnica (30%), orientação sexual (29%) ou a identidade de género (16%). E, de novo, mais de metade das pessoas admite não ter participado o crime (52%). Porquê? “Não dei importância” (28%) ou “Tive receio de represálias” (18%) estão entre as razões mais identificadas.

Ao nível do apoio, os números não diferem muito dos da discriminação: 22% dos inquiridos disseram não ter tido qualquer apoio, enquanto 48% se socorreram de amigos, vizinhos ou familiares. A polícia prestou auxílio em 20% dos casos.

Joana Menezes diz que não é possível aferir deste barómetro que a discriminação ou os crimes com ela relacionados são hoje mais elevados, até porque uma das razões para avançar com o estudo é o facto de “não haver recolha estatística” em Portugal sobre o tema.

Ao nível da percepção, já arrisca uma opinião: “Se pensarmos no país há 50 ou 60 anos, parece-nos mais provável que a discriminação racial, por exemplo, existisse mais. Acho que as coisas têm melhorado, mas muito pouco e devagar. Esperava que estivessem melhores do que estão neste momento.”

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