Militão, um lateral seguro com pouca iniciativa ofensiva
Nesta época, o FC Porto já testou várias soluções na ala direita da defesa. O PÚBLICO olhou para as prestações de Maxi, Corona, Militão e Manafá e mostra-lhe as diferenças.
O debate sobre as alterações introduzidas no quarteto defensivo do FC Porto desde a contratação de Pepe tem sido recorrente e o que uma primeira análise revela é que, com Éder Militão a jogar no flanco direito, os "dragões" não só sofreram mais golos, como também marcaram menos. Embora Sérgio Conceição tenha dado luz verde a Manafá na última partida, o brasileiro tem sido o mais recente protagonista na ala "azul e branca". Da avaliação que o PÚBLICO fez sobre as recentes prestações do jogador como lateral, conclui-se que é seguro do ponto de vista defensivo, mas não tem a mesma iniciativa ofensiva que os colegas de sector demonstram.
A chegada de Pepe ao Porto, na mais recente abertura do mercado de transferências, revelava ser uma aposta sólida dos "dragões" no sector mais recuado. A custo zero, o internacional português abandonava os turcos do Beşiktaş para ingressar nos "azuis e brancos". Contudo, para o internacional português ser integrado no eixo da defesa, foram promovidas alterações à equipa inicial, mais concretamente na dupla Felipe-Militão.
Na antevisão à partida frente ao Leixões, que marcaria o regresso de Pepe às competições nacionais, Sérgio Conceição confirmou os testes e experiências nos treinos com Éder Militão no flanco direito, validando a hipótese de os "dragões" virem a jogar com o brasileiro nessa posição. No Estádio do Mar, o cenário previsto tornou-se realidade, com Militão a fazer a primeira de várias partidas na ala direita da defesa do FC Porto.
No entanto, a mudança planeada por Sérgio Conceição coincidiu com uma série de resultados anómala na temporada portista: em oito encontros, o FC Porto venceu apenas três no tempo regulamentar, sofreu sete golos – uma média de quase um concedido por jogo –, além de ter saído derrotado do Estádio Olímpico de Roma, após 26 partidas consecutivas sem conhecer o sabor da derrota nas várias competições.
"Uma mera coincidência"
Sérgio Conceição afastou de imediato a hipótese de este ciclo de resultados ser consequência directa das modificações na linha defensiva. Na antevisão ao confronto caseiro com o Vitória de Setúbal, o treinador dos "dragões" voltou a frisar que a opção por Militão no flanco direito não se limitava a "agarrar num jogador que fez meses a central e metê-lo na lateral". "Aqui tudo é trabalhado e estudado ao pormenor", acrescentou.
Apesar do número significativo de golos concedidos pelos portistas, a prestação atípica da formação "azul e branca" não aparenta ter origem na alteração operada no centro da defesa. Nas partidas referidas, o FC Porto sofreu golos dos mais diversos feitios, sem que se pudesse imputar responsabilidade directa à parelha Pepe-Felipe. Aliás, os lances de bola parada perfazem três dos sete golos concedidos: um golo de canto, frente ao Moreirense, e dois penáltis sofridos, face ao Sporting e Desportivo de Chaves.
Para António Sousa, não se trata de mais do que uma "mera coincidência". Em conversa com o PÚBLICO, o campeão europeu pelo FC Porto, em 1987, não vê uma ligação estreita entre os golos sofridos e as alterações realizadas, mas não desmente que se tenha mexido "demasiado" no sector. "Quando se mexe em duas pedras, tudo é diferente daquilo que eles naturalmente definem", realçou.
O problema não estará tanto na eficácia defensiva, mas sim no ataque - mais concretamente, nas transições e dinâmicas ofensivas. Com Éder Militão na ala, o FC Porto fez balançar as redes adversárias 15 vezes em oito partidas, o que traduz menos de dois golos por jogo (1,9). Trata-se de uma média abaixo do normal, tendo em conta os dados do ataque portista na primeira metade da época: uma média de 2,4 golos a cada encontro. Além disso, dois terços dos tiros certeiros dos "dragões" (10) concentraram-se em três jogos: Desportivo de Chaves (4), Benfica (3) e Belenenses SAD (3).
Nas cinco partidas restantes, o FC Porto mostrou dificuldades em concretizar as oportunidades, sem conquistar qualquer triunfo nos 90 minutos – quatro empates e uma derrota. Frente ao Leixões, os "azuis e brancos" apenas garantiram a passagem às meias-finais da Taça de Portugal com um golo na segunda parte do prolongamento, após a igualdade a uma bola no tempo regulamentar. Já em Guimarães, a formação de Sérgio Conceição não festejou qualquer golo. Nas outras partidas, com Sporting, Moreirense e Roma, só bateu o guarda-redes adversário no último quarto de hora de jogo.
Apesar de Sérgio Conceição depositar confiança na qualidade de Éder Militão no flanco direito, essa aposta não traduz necessariamente melhores resultados do ponto de vista ofensivo. Numa posição-chave nas dinâmicas de corredor do FC Porto, Militão sente "alguma dificuldade, porque no fundo não é a raiz, o ADN dele", comenta António Sousa.
Maxi e Corona mais profundos
De acordo com os mapas de calor registados pela WhoScored.com, site que reúne estatísticas de futebol, o defesa brasileiro continua a registar uma considerável mancha de acção no sector mais recuado, verificando-se uma quebra acentuada nas movimentações do jogador após o meio-campo portista.
Neste aspecto, Maxi Pereira e Jesús Corona, na mesma posição, apresentam uma maior profundidade na ala. Esta atitude beneficia o poderio atacante do FC Porto, que baseia muitas das suas acções ofensivas na liberdade dada aos laterais para percorrerem os corredores. Aliás, neste tipo de movimentações, o extremo mexicano destaca-se por chegar mais vezes à linha final, zona preferencial para cruzar para a área adversária. Como lateral direito, em sete jogos da Liga portuguesa, Corona fez um total de 23 cruzamentos, com uma eficácia a rondar os 30%.
Já Militão é mais tímido. Sensivelmente no mesmo número de jogos, para as várias competições, o defesa brasileiro tentou cruzar seis vezes, completando com sucesso apenas um dos passes. O fraco investimento neste tipo de acções poderá ser resultado de uma abordagem mais defensiva - uma vez que se encontra mais recuado em campo, o jogador prefere investir em passes em profundidade, registando quase sete bolas longas a cada encontro.
O perfil de Militão também se reflecte nos passes-chave efectuados. Nos cinco encontros que disputou para o campeonato e Liga dos Campeões, o brasileiro apenas completou um passe que colocasse um colega em posição vantajosa para rematar à baliza. Já nos jogos com Maxi Pereira a lateral, o número dois portista apresenta uma média de quase um passe-chave por partida. Jesús Corona lidera este tipo de iniciativas, ao realizar 10 passes venenosos com menos tempo de jogo do que Militão na ala direita da defesa – uma média de 1,4 por encontro.
No corredor direito do FC Porto, Éder Militão é também o que falha mais passes – uma eficácia de 72%, abaixo dos 78% apresentados por Jesús Corona e Maxi Pereira – e perde mais vezes a bola. O brasileiro chega a ser desarmado mais do que uma vez por jogo, enquanto Maxi é o que representa maior segurança neste capítulo, com uma média a rondar as 0,6 perdas de bola a cada encontro realizado para a Liga e Liga dos Campeões.
Por outro lado, o defesa brasileiro "faz o lado direito muito bem defensivamente". "É a sua melhor arte", frisa António Sousa. A adaptação do central não o impediu de fazer mais desarmes (cerca de 3,5 por jogo), ou de dar fôlego à equipa em situações de maior sufoco, apresentando uma média de quase três alívios por encontro, prestações superiores às apresentadas pelos outros dois colegas de sector. Comparando com a sua performance no eixo da defesa, Militão consegue inclusivamente ganhar mais disputas de cabeça, ao conquistar cerca de cinco bolas aéreas por jogo.
"Mais completo" no centro
Ao contrário do que é apontado, o regresso de Pepe a Portugal não prejudicou a abordagem defensiva dos "azuis e brancos". Nas cinco partidas que já disputou para o campeonato nacional e Liga dos Campeões, o internacional português fez menos intercepções e alívios do que Éder Militão. No sentido inverso, roubou mais vezes a bola ao adversário e domina nas bolas pelo ar. Ainda assim, António Sousa prefere ver o central brasileiro de volta à posição de origem: "No centro do terreno penso que é muito mais completo, como nos tem demonstrado em jornadas anteriores".
Na mais recente jornada da Liga, Sérgio Conceição optou por devolver Militão ao centro da defesa e deixar Pepe no banco. Wilson Manafá foi a aposta para o flanco direito. O lateral português, contratado neste defeso ao Portimonense, fez o segundo jogo pelo FC Porto, o primeiro a titular, conquistando o prémio de melhor em campo atribuído pelo clube. Manafá esteve sempre muito activo na partida, tanto a defender como a atacar, investindo na velocidade para ganhar espaço e servir os avançados na grande área adversária. Os "dragões" venceram a partida por 2-0, com golos de Herrera e Soares.
No final do encontro, em entrevista rápida, Sérgio Conceição elogiou a prestação do antigo lateral do Portimonense. No entanto, recusou-se a responder a quaisquer questões acerca das mudanças no eixo da defesa, nomeadamente a saída de Pepe para o regresso de Militão à posição original. “As coisas são feitas de forma ponderada e não é porque há meia-dúzia de comentadores a achar o contrário que elas mudam. As coisas mudam, porque eu acho, ponto”, reforçou o treinador.
Para António Sousa, Manafá "pode ser e se calhar será" a opção para o lado direito da defesa do FC Porto. O antigo jogador dos "dragões", e durante vários anos treinador do Beira-Mar, sublinha o "campeonato excelente" que o jogador português fez em Portimão e não tem "dúvida nenhuma" de que traz "garantias de qualidade" ao novo clube. "É um jogador [que] quer e continua a querer crescer", reforçou. Texto editado por Nuno Sousa