Greve atípica dos professores não dá lugar a descontos nos salários
Paralisação arrasta-se há quase quatro meses. Ministério chegou a ameaçar com faltas injustificadas, mas voltou atrás e tem informado a escolas para não fazerem descontos por se tratar de uma greve a horas extraordinárias.
A Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgeste) tem estado a informar as escolas que a greve dos professores em curso desde 29 de Outubro passado não pode levar a descontos nos vencimentos, por se tratar de uma paralisação que abrange trabalho efectuado em horas extraordinárias.
Esta acção de luta está agora também a ser ponderada pelos enfermeiros para substituir a greve “cirúrgica” que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) considerou “ilícita”, o que levou o Ministério da Saúde a ameaçar com a marcação de faltas injustificadas aos profissionais que continuassem este protesto.
A mesma posição foi aliás assumida, em Outubro passado, pelo Ministério da Educação quando os sindicatos apresentaram os primeiros pré-avisos da greve às horas extraordinárias, que foi motivada pela recusa do Governo em não contabilizar todos o tempo de serviço que esteve congelado. Há novas negociações marcadas para esta segunda-feira.
Quando do seu anúncio em Outubro, o ME considerou que se tratava de uma greve self-service, que passou a ser ilícita por via de um outro parecer da PGR datado de 1999, a propósito de uma greve convocada pelo Sindicato Independente dos Médicos, em que se previa a “interrupção e retomada do trabalho pelos médicos, sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem”.
Para o ME, passava-se o mesmo com a acção anunciada por 10 estruturas sindicais de professores e por isso fez saber que os docentes que aderissem à paralisação teriam faltas injustificadas.
A ameaça não foi por diante porque os sindicatos, apesar de contestarem a interpretação feita pelo ministério, refizeram os pré-avisos de greve de modo a especificar todas as acções que podem ser abrangidas por esta paralisação, também já descrita como “atípica”, e também a sua duração. “O que a lei da greve impede são as chamadas paralisações intermitentes em que um trabalhador tanto pode estar em greve num dado momento e no seguinte já não estar. Mas o que nós temos são pré-avisos diários ou seja, a greve de um dia não é a mesma da do dia seguinte, apesar de ter o mesmo objecto”, explica o líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira.
Por agora, o ME optou também por não requerer o cumprimento de serviços mínimos apesar de ter exigido que os sindicatos entregassem os pré-avisos de greve com dez dias de antecedência. Este é o prazo exigido por lei quando a paralisação afecta um “sector que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, como é o caso da educação.
Em 2011, uma greve também às horas extraordinárias convocada pelo SIM foi considerada "legal" pela PGR, que no entanto se pronunciou pela necessidade de se definirem serviços mínimos já que a paralisação iria afectar, sobretudo, as urgências médicas.
Que efeitos tem a greve?
Segundo Nogueira, a greve em curso nas escolas tem afectado sobretudo as reuniões marcadas fora do horário laboral dos professores, incluindo algumas relacionadas com a avaliação intercalar dos alunos. O líder da Fenprof acrescenta que esta perturbação se fez sentir em quase todos os estabelecimentos escolares.
Já o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, afirma que não tem conhecimento de qualquer repercussão desta paralisação na vida das escolas. “A experiência que tenho é contrária à imagem dos professores que se tenta passar para fora. É uma classe generosa, que faz o que é preciso fazer sem estar a contabilizar as horas”, adianta.
O PÚBLICO tentou apurar junto do ME se o novo parecer da PGR a propósito da greve dos enfermeiros poderá levar a outro entendimento sobre a greve em curso há quase quatro meses, mas não obteve respostas.
Só uma parte deste parecer foi homologada pelo primeiro-ministro António Costa para abranger toda a administração pública. É a que diz respeito “à ilicitude de uma greve financiada através de crowdfunding”. A Fenprof não se mostra preocupada, já que se opõe a esta forma de financiamento e garante que também não terá efeitos noutras formas de compensar os prejuízos dos grevistas, como a que foi adoptada em várias escolas durante a greve às avaliações, com os professores a quotizarem-se entre si para pagar as faltas de quem fazia greve. “Se vier a acontecer de novo, são fundos que podem ser geridos pelos sindicatos, através dos delegados sindicais e, deste modo, como a própria PGR afirma, não poderão ser considerados ilícitos”, afirma Nogueira.