Greta foi a Bruxelas dar mais força aos adolescentes que exigem “justiça climática”
Jovens belgas assumem o protagonismo na luta contra o aquecimento global com o seu movimento dos “estudantes pelo clima”. Protesto desta quinta-feira teve direito a convidada especial, a sueca Greta Thunberg, que é a inspiração desta geração.
Eles estão a ferver: sentem-se “mais quentes, mais quentes, mais quentes do que o clima” e às quintas-feiras soltam a sua fúria deixando as salas de aula e marchando na rua em defesa do planeta e dos recursos naturais. Pela sétima semana consecutiva, milhares de jovens estudantes belgas juntaram-se para protestar contra a inacção dos políticos e homens de negócios e reclamar um futuro. Esta quinta-feira, 21 de Fevereiro, juntaram um novo grito aos refrões e palavras de ordem habituais: “Greta! Greta!”, aplaudiram, emocionados com a presença da jovem activista sueca, Greta Thunberg, cuja acção solitária os inspirou a mobilizarem-se como nunca se tinha visto para exigir “justiça climática”.
No início do ano escolar, em Agosto, Greta Thunberg, de 16 anos, iniciou — sozinha — uma greve pelo clima que a tornou um fenómeno mundial. Todas as sexta-feiras, a adolescente de cara redonda e tranças de Pipi planta-se à porta da escola e recusa assistir às aulas, num protesto contra o aquecimento global que diz que só vai terminar quando a Suécia cumprir as metas definidas no Acordo de Paris para o Clima.
A maioria dos miúdos concentrados esta quinta-feira em Bruxelas olha para Greta Thunberg como a sua líder e porta-voz: terá sido a sua luta semanal na Suécia a convencê-los e inspirá-los a tentar algo de semelhante no seu país. Mas com a sua mobilização, semana após semana, a juventude belga projectou-se para a dianteira do combate às alterações climáticas e da luta pela protecção do ambiente e da natureza. “Não há planeta B”, lembram nos cartazes que desenham em várias línguas.
Na Europa, é agora o exemplo da Bélgica e dos seus “estudantes pelo clima” que os jovens de outros países apontam como exemplo (e no próximo dia 15 de Março, data da primeira greve estudantil internacional pelo clima, se verá até onde o exemplo singrou). Ainda assim, a presença de Greta Thunberg, na cabeça da marcha que se preparava para avançar durante duas horas pelo centro de Bruxelas, provocou um sobressalto entre os adolescentes semelhante à visão dos Beatles. Os manifestantes repetiam o seu nome, aplaudiam, assobiavam ou simplesmente gritavam, empoleirados em bancos, em árvores e uns nos outros para poderem guardar uma fotografia da activista sueca nos seus telemóveis.
“É incrível como uma única pessoa pode ter este impacto e ser tão inspiradora. Confiamos nela e na sua liderança. Apesar de todas as dificuldades que tem, ela está a mostrar-nos o caminho da luta dos jovens por um futuro melhor”, afirma Nicholas De Potter, que segura um enorme cartaz onde sugere a atribuição do Prémio Nobel a Greta Thunberg. “Acredito em apoiar a juventude e acredito nela como potencial Nobel da Paz”, explica Nicholas, que só se distingue dos restantes manifestantes pelo cabelo e barba brancas.
Com 62 anos de idade e seis filhos, este belga planeia utilizar uma parte das poupanças que conseguiu na sua carreira profissional no financiamento de medidas de promoção da economia circular. “Quero acção”, diz, entusiasmado com a mobilização dos estudantes — e também dos seus pais e avós, que também marcam presença na marcha, alinhados atrás de uma faixa onde se lê “Os avós também querem salvar o clima”. “Por mim era assim, os jovens na rua, e os velhos de volta à escola”, para perceber como estiveram a agir mal e aprender a corrigir o erro, defende De Potter.
O casal Alice e Bob, de 22 e 24 anos, respectivamente, marcou presença pela sétima vez consecutiva no protesto dos estudantes. “Em Dezembro tivemos 70 mil pessoas a marchar pelo clima em Bruxelas mas foi como se não se tivesse passado nada, não houve reacção. Mas desde que os miúdos começaram a sair à rua, sente-se outra energia: nunca pensámos que isto fosse possível mas pode ser que com esta geração as coisas comecem a mudar”, dizem entre os dois.
Vinda de Leuven, a eloquente Marianne Jones, de 11 anos, explica ao PÚBLICO que “se calhar os políticos pensavam que o que os miúdos dizem não era importante”. Mas quando viram os estudantes na rua, “finalmente começaram a perceber que nos devem ouvir e fazer agora o que pedimos, porque se não o fizerem daqui a 30 anos já vai ser muito difícil”. Marianne e os seus colegas, com idades entre os dez e os 12 anos, fizeram greve nas últimas duas semanas, e conseguiram convencer os pais a trazê-los até Bruxelas esta quinta-feira — antes mesmo de saberem da presença de Greta Thunberg na marcha.
“Eles falam muito sobre o clima, estão muito preocupados com a poluição, a extinção de animais, a deterioração do planeta”, conta um dos progenitores que acompanhou o grupo até à capital. Diz que o fez de bom grado e com orgulho: “Este é um movimento único e original, não me consigo lembrar de crianças terem esta consciência e querer fazer greve às aulas para se manifestar pelo clima.”
“Temos de ser nós”
Enquanto os estudantes de fora de Bruxelas viajavam até à capital para se concentrarem à saída da Gare do Norte, Greta Thunberg participava numa sessão do Comité Económico e Social da União Europeia, onde se discutiam ideias para envolver a sociedade civil num “renascimento” capaz de tornar a Europa “mais sustentável”,
Numa concorrida conferência de imprensa no final, a jovem sueca confessava que apesar de “muita conversa e muita negociação” sentia que “continuamos parados” e “no mesmo lugar onde estávamos antes”: na linha de partida, sem avançar em frente. “Mas vamos continuar a tentar, a motivar as pessoas à acção e a pressionar aqueles que estão no poder”, afirmou. “Se mais ninguém faz isso, então temos de ser nós”, afirmou.
Com uma única palavra — não — Greta disse que depois de ouvir os discursos do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e outros dirigentes europeus, não tinha ficado convencida que a União Europeia está a fazer tudo o que é possível para proteger o planeta. Ainda assim, disse ter esperança que a pressão juvenil motive os líderes. “Eu sei que vocês são pessoas boas e que não querem deixar as pessoas ficar mal, e por isso espero que façam alguma coisa. Falar também está bem, mas se não for para depois fazer alguma coisa, não é necessário”, considerou.
Greta foi convidada para falar na cimeira do clima das Nações Unidas, em Katowice, na Polónia, e no Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça, mas os seus contactos com “políticos e pessoas com poder” não a deixaram especialmente optimista. Nenhum deles lhe fez alguma “promessa concreta”, embora quase todos lhe tenham dito que vão “tentar” e “fazer o que puderem” para salvar o planeta. A impressão que guardou desses contactos, revela, foi de que “estas pessoas não têm muito a dizer sobre a crise climática” e por isso “preferem mudar de assunto”, por exemplo com acusações de que os jovens activistas fantoches manipulados por sabe-se lá quem. “É absurdo”, ri-se.
“Em vez de nos perguntarem a nós quando vamos parar com as greves, sugiro que perguntem aos políticos quando é que eles vão começar a agir pelo clima”, atira Anuna De Wever, a estudante flamenga de 17 anos que entre os jovens belgas tem um estatuto semelhante ao de Greta. “Quando assinaram o Acordo de Paris, os políticos assumiram um compromisso, que na realidade é uma promessa. Mas não estão a cumprir o que prometeram”, notou.
Ao seu lado, a activista alemã, Louisa Neubauer, lembrava que as eleições europeias estão próximas e avisava que os jovens não vão aceitar que as questões ligadas à crise do clima continuem a ser ignoradas ou desvalorizadas pelos políticos. “Estamos a viver uma emergência. Nós os jovens não temos escolha. As greves vão continuar. A crise climática tem de ser uma prioridade em todas as eleições.”