Ferrovia: o desafio de Pedro Nuno Santos é evitar outra crise no Verão
Pedro Nuno Santos terá de optar entre a estratégia do seu antecessor, de procurar esconder os problemas da ferrovia através de repetidos anúncios, ou explicar por que razão os investimentos não saem do papel.
Na ferrovia, o novo ministro das Infra-Estruturas ocupará o tempo entre obras, inaugurações e tabelas de execução de um plano que teima em não sair do papel. Mas fora do gabinete, Pedro Nuno Santos terá de gerir o persistente problema da fraca oferta de comboios nos carris de todo o país.
O Plano de Investimento Ferroviário 2020 — a maior bandeira deste Governo para o investimento público — soma anos de atraso e só tem seis frentes de obra no terreno quando já deveria ter 19. A taxa de execução do investimento, em termos de trabalhos no terreno, é inferior a 9%. O novo ministro poderá explicar que a calendarização do Ferrovia 2020, afinal, nunca poderia ter sido cumprida e que António Ramalho, antecessor de António Laranjo nas Infra-Estruturas de Portugal, sabia disso, mas insistiu em apresentar um cronograma irrealista. Ou que a megaempresa pública que gere as infra-estruturas ferroviárias e rodoviária do país não tinha capacidade de engenharia para desenvolver tantos projectos em simultâneo depois de anos de investimento quase nulo.
Até ao final da legislatura, Pedro Nuno Santos terá de lançar a restante obra que falta para “a maior obra ferroviária dos últimos 100 anos” — a linha Évora-Elvas, da qual Pedro Marques adjudicou recentemente os primeiros 20,5 quilómetros. Faltam-lhe mais dois troços até Elvas e um pequeno “irritante” de meia dúzia de quilómetros que é a saída de Évora e cujo traçado tem chocado com a contestação da autarquia.
A meia modernização da Linha do Oeste (entre Meleças e Caldas da Rainha) é outra das obras que somam três anos de atraso, bem como a modernização da Beira Alta e da Linha do Douro até à Régua. Dos 20 projectos que já se atrasaram, há apenas um que o novo responsável à frente das Infra-Estruturas ainda está a tempo de lançar atempadamente: a electrificação da Linha do Algarve, que estava prevista para o segundo trimestre deste ano.
Além de pôr em marcha o que está previsto, os desafios do novo ministro passam por resolver as omissões do seu antecessor. A Linha de Cascais, cuja infra-estrutura e material circulante há muito ultrapassaram o período de vida útil (e que exige avultados custos de manutenção para manter uma segurança que, ainda assim, é periclitante), carece de decisão e de investimento. Bem como a Linha do Vouga, onde se arrastam velhas automotoras de via estreita numa linha que também precisa de investimento.
Outro desafio é a Linha do Douro, numa altura em que a região atinge picos de procura turística que obrigam a pensar a reabertura do Pocinho a Barca de Alva e a articulação com Espanha para ligar este corredor ferroviário de Leixões a Salamanca. Um missing link que mereceu a atenção da própria Comissão Europeia e para o qual há fundos comunitários.
Quanto à CP, o grande repto de Pedro Nuno Santos é saber evitar uma nova crise ferroviária no próximo Verão dada a escassez de material circulante. Os novos comboios, cujo concurso foi lançado há um mês, só virão em 2023, e até lá a transportadora pública conta com mais quatro automotoras alugadas a Espanha (que chegarão a conta-gotas até Setembro) e algum material diesel liberto das linhas do Minho e Douro à medida que novos troços forem electrificados.
Mas é pouco. Pedro Nuno Santos vai ter de decidir rapidamente se quer aproveitar o material que a CP tem imobilizado e que pode ser colocado a transportar passageiros. A lista é extensa: 30 carruagens Sorefame, nove carruagens Shindler, quatro locomotivas a diesel, 20 locomotivas eléctricas Alstom e dez automotoras eléctricas para serviço suburbano, além de outro material que está parado. Só precisa de dotar a EMEF com recursos para avançar. Ou esperar pelo Verão e tentar esconder o sol com a peneira quando houver uma nova vaga de supressões de comboios e os passageiros voltarem a ficar em terra.