Exposição
A vida (e a morte) dentro de um matadouro português
Este podia ser qualquer matadouro do país, mas é aquele ao qual Cristiano Luís teve acesso, após inúmeros estabelecimentos lhe terem fechado as portas. O sigilo fez parte do processo negocial. “Percebe-se porquê depois de vermos as imagens”, observa o fotógrafo, em entrevista ao P3. A frieza asséptica do local contrasta com o sofrimento animal palpável nas imagens de Induced Selection, o projecto fotográfico de natureza académica que está em exposição na Bienal de Vila Franca de Xira até 10 de Março.
Eles, os animais, são protagonistas ausentes — esta foi uma opção consciente. Cristiano Luís tem como objectivo convidar-nos a olhar o ser humano como aquele que é capaz de produzir “carnificina mecânica” de forma “irracional”, em nome de um tipo de consumo de carne que considera desnecessário. Como pode o ser humano considerar-se um ser empático quando compactua, maquinalmente, com esta engrenagem? “Os animais apresentam traços humanos que nos fazem criar afinidade”, argumenta o fotógrafo. “Essa relação de familiaridade torna a realidade que documentei muito mais perturbadora.” Onde encaixamos a capacidade humana de estabelecer empatia neste contexto especifico? Esta é a questão central do projecto.
Cristiano é também crítico da divisão dos animais em grupos ou categorias – de “comestível”, “não-comestível”, “animal de estimação” e “predador”. Considera-os todos “iguais”. “Decidi não fotografar estes seres vivos directamente, ou pelo menos não de uma forma sensionalista, porque não quis colocá-los numa posição de inferioridade”, explica.
O fotógrafo — que nasceu em Londres, mudou-se para a Madeira aos oito anos e reside em Lisboa — não esconde a “natureza pessoal e ideológica” do trabalho que realizou. “O facto de ser vegan foi um dos motivos que me levou a realizar estas imagens, mas o trabalho não deve ser visto através desse filtro”, adverte. “O meu objectivo não é converter o espectador (…). Se fosse o caso teria criado imagens muito mais denunciativas e sensacionalistas.” O objectivo é, sim, “documentar o processo rotineiro de abate de animais” e “denunciar uma realidade violenta e dramática” que encara como desumana.
Gostas de fotografar e tens uma série que merece ser vista? Não consegues parar de desenhar, mas ninguém te liga nenhuma? Andas sempre com a câmara de filmar para produzir filmes que não saem da gaveta? Sim, tu também podes publicar no P3. Sabe aqui o que tens de fazer.