CGD: auditoria não encontrou aval pessoal de Berardo de 37,8 milhões

Em 2008, Joe Berardo já tinha problemas para cumprir a sua dívida. Gestão da Caixa não travou degradação das garantias, nem executou aval pessoal, que entretanto não apareceu.

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Nuno Ferreira Santos

No final de 2008, a Direcção das Grandes Empresas da Caixa Geral de Depósitos (CGD) informou o conselho de administração que José Berardo entregara ao banco novas acções do BCP, bem como “um aval pessoal do comendador José Berardo de 37,8 milhões de euros” para garantir dívidas da Fundação, contraídas durante a gestão de Carlos Santos Ferreira. Uma década depois, a EY analisou os actos de gestão do grupo entre 2000 e 2015 e tirou conclusões: as acções do BCP foram vendidas com uma desvalorização acentuada; não foi encontrada prova da existência do aval pessoal, nem evidência do seu destino. O resultado é conhecido: a exposição da Caixa a Berardo estourou e levou à recapitalização total de perto de cinco mil milhões de euros.

Há mais de dez anos que a CGD sabia que o seu cliente José Berardo estava com dificuldades para liquidar as dívidas que já então totalizavam 347.462.707,89 euros. Os créditos foram contraídos entre 14 de Julho de 2006 e 28 de Maio de 2007, em plena guerra pelo controlo do BCP, e serviram em grande parte para financiar o investidor na luta contra Jardim Gonçalves.

O quadro de aperto tornou-se visível a partir do arranque de 2008, assim que a carteira de títulos do BCP, dada como garantia das dívidas, se começou a desvalorizar de forma contínua. A linha vermelha foi quebrada a 16 de Janeiro de 2008, quando a cotação desceu para 1,86 euros, abaixo de 1,87 euros, o patamar calculado pelos serviços da Caixa para a cobertura de 100% da dívida. Já o nível contratualizado foi de 1,94 euros por acção. Em vez de vender as acções do BCP assim que entraram em queda livre, o que teria minorado as perdas associadas à exposição a este cliente, a gestão da Caixa foi arrastando a decisão. No início de 2010, mantinha na sua posse 127,5 milhões de títulos, com um valor muito inferior em bolsa.

No final de 2008, as dificuldades de José Berardo para pagar à Caixa são visíveis. É o que se depreende da acta da reunião da Direcção das Grandes Empresas (DGE), realizada a 9 de Dezembro, que decorre já depois de Carlos Santos Ferreira ter deixado a Caixa e quando Faria de Oliveira o substitui. De acordo com o relatório emitido, e cujo teor foi ratificado a 15 de Janeiro de 2009, nomeadamente por Francisco Bandeira (ex-vice de Santos Ferreira), e a que o PÚBLICO teve acesso, o cliente estava a requerer carência de juros e de capital por um período de 24 meses, relativamente a créditos contraídos em 2007 pela Fundação José Berardo (297,462,707.89 euros) e em 2006 pela Metalgest (50 milhões).

Da leitura do documento, percebe-se que os técnicos estão preocupados. Desde logo, concluem que a exposição do banco público a Berardo é de 347.462.707,89 euros, estando então já a descoberto (sem cobertura) cerca de 200 milhões de euros. Ou seja, perto de 60% da dívida. Mas a imparidade só é registada mais tarde, de forma mais expressiva em 2015 e 2016.

Pedido de reforço de garantias

A Direcção de Grandes Empresas relata o que os serviços andam a fazer para que Berardo pague as dívidas e tape o défice. E relatam o que fizeram nos meses anteriores: um pedido de reforço de garantias, com penhor adicional de títulos do BCP, um penhor de títulos PT e um penhor de 40% da Associação Colecção Berardo. E ainda a devolução de 23 milhões de euros do crédito dado. E cobrança de juros, mas apenas de uma parte, pois o cliente falhou a liquidação de 7.520.658,30 de euros de juros vencidos a 28 de Novembro de 2008. 

Os técnicos revelam mais: “O montante em dívida de 37,8 milhões tem o aval pessoal do Comendador José Berardo”. E, “relativamente a esta operação [a parcela do crédito dado à Fundação José Berardo de 37.786.248,00 euros] foram liquidados a 3 de Novembro juros no valor de 1.016.642,89 euros”. Ou seja, não há execução, mas apenas a cobrança dos juros associados.

Este tema do aval pessoal regressa aos documentos oficiais no relatório final da EY respeitante à auditoria independente aos actos de gestão da CGD no período de 2000 a 2015, que chegou às autoridades a 27 de Junho de 2018. Nessa auditoria, entretanto tornada pública, é dito expressamente que não foi “disponibilizada informação” pelo banco “que permita verificar” se Berardo entregou efectivamente um aval pessoal. Ou mesmo se ele foi liquidado.

Interpelada sobre se accionou a garantia pessoal dada por Berardo no valor de 37,8 milhões de euros para cobertura de dívida, e por que razão não deu provas da sua existência à auditora EY, a CGD respondeu que actua com “transparência”. Explicou-se nestes termos: “Todas as informações solicitadas pela EY foram disponibilizadas. A EY é que definiu o que analisar e os critérios foram exclusivamente os seus.”

Na prática, um aval pessoal é um título executivo que permite à entidade que o recebe, solicitar, a qualquer momento, ao tribunal que “vá atrás” de património do devedor para que este liquide as suas dívidas. O património de Berardo escapou, assim, a esta cobrança coerciva.

A imparidade associada à relação comercial de Berardo com a Caixa é um dos créditos tóxicos (347 milhões) cuja dimensão foi ocultada, e um dos que está na origem das necessidades de recapitalização do banco público em 4,9 milhões de euros. Em 2015, a EY revela que a Caixa contabilizou 152 milhões de euros de perda associada a Berardo (valor que dispara em 2016).

Na acta da reunião da DGE de 2008, os serviços revelam que os procedimentos que a Caixa está a seguir com Berardo, de carência de juros, entre outros, estão alinhados com os restantes credores. A Caixa e o BCP tinham 70% dos créditos de Berardo, e o BES o restante.

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