Ministério Público pede condenações por crime ambiental em São Pedro da Cova
Responsáveis por deposição de resíduos perigosos nas escombreiras das minas da vila mineira "tinham todas as condições para saber" qual a perigosidade dos resíduos, disse procurador.
Foi uma sessão longa, de palavras acutilantes, com um pedido de justiça para a população de São Pedro da Cova. No Tribunal de São João Novo, diante dos seis alegados responsáveis pelo depósito de resíduos perigosos nos escombros das antigas minas da freguesia de Gondomar, o Ministério Público pediu a condenação dos arguidos. Para o procurador, ficou comprovado o crime doloso de poluição com perigo comum pelo qual estão acusados.
Os seis homens "tinham todas as condições para saber" qual a perigosidade dos resíduos, argumentou o procurador Carlos Teixeira durante a sessão a que a Agência Lusa assistiu: conheciam a composição química dos pós e sabiam que estes iam poluir o solo e colocar em perigo a vida da população. Mas, mesmo assim, não se inibiram de o fazer.
Na pequena vila a cerca de vinte quilómetros do Porto enterrou-se há vinte anos “um problema ambiental gravíssimo”. Nas escombreiras das minas, foram depositados pela Siderurgia Nacional, entre 2001 e 2002, centenas de toneladas de resíduos industriais. “Não se vêem nem se sentem” mas são fardo pesado para as gentes da freguesia, diz Pedro Miguel Vieira, presidente da junta de freguesia de São Pedro da Cova e Fânzeres.
Ninguém poderá contabilizar ao certo os danos causados pela contaminação dos solos e lençóis freáticos. Mas é inegável que eles existem. “Os técnicos dizem-nos que terá um efeito na vida das pessoas sobretudo a médio e longo prazo”, aponta o comunista Pedro Miguel Vieira. E se São Pedro da Cova é o epicentro, os danos colaterais são mais extensos do que se possa supor, avisa: “Os lençóis freáticos levam os resíduos até aos rio Ferreira, Sousa e Douro. Resta saber qual o grau de contaminação.”
Na sessão, o Ministério Público registou a jogada dupla dos arguidos, três deles membros do conselho de administração de uma sociedade à qual cabia dar destino aos resíduos e outros três de sociedades que detinham as escombreiras onde acabaram por ir parar: por um lado, havia uma “grande pressão para tirar os resíduos da Siderurgia da Maia”; por outro, a “necessidade de preencher o buraco” deixado pela exploração mineira, cessada há 48 anos, em São Pedro da Cova.
O crime, apontou o procurador, não se ficou por aí. Mesmo sabendo da perigosidade dos resíduos, os arguidos nada fizeram para impermeabilizar os solos, impedindo a passagem dos resíduos para as águas subterrâneas. Além disso, para conseguir autorização de remoção dos resíduos da Siderurgia Nacional e depositá-los em São Pedro da Cova, os arguidos garantiram que os pós eram “inertes”, usando um estudo sem validade para o provar.
O Ministério Público não propôs uma pena concreta. Já no plano cível, a Junta de Freguesia de São Pedro da Cova, assistente no processo, pediu uma indemnização de dois milhões de euros. As contas, explicou ao PÚBLICO Pedro Miguel Vieira, estão feitas desde 1997: na altura, arquitectou-se um projecto de reabilitação do espaço das antigas minas e era esse o valor estimado para os trabalhos.
“Ficamos satisfeitos por perceber que o Ministério Público está ciente da responsabilidade dos seis arguidos e da perigosidade dos resíduos”, reagiu o presidente da junta. Na vila mineira, diz, o assunto nunca caiu no esquecimento e continua a ser conversa de café e inquietação constante. E há um motivo óbvio para isso.
Remoção continua parada
A remoção dos resíduos perigosos teve início em Outubro de 2014. Durante oito meses foram retiradas 105 mil toneladas de metais pesados das antigas minas. Mas, tempos depois, descobria-se que ainda havia vestígios do material ali depositado pela empresa industrial Siderurgia Nacional, que laborou na Maia entre 1976 e 1996. Um novo concurso público internacional foi lançado e, em 2017, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, anunciava que as 125 mil toneladas excedentes seriam retiradas no ano seguinte. Mas o imbróglio não se desfazia. Em Abril de 2018 uma nova data era avançada: o início da remoção estava previsto para esse ano e 2019 marcaria o desfecho do assunto.
Mas, até agora, “continua tudo na mesma”. Alegadamente por uma acção judicial que terá travado o início dos trabalhos, disse ao PÚBLICO, já no final do ano de 2018, o Ministério do Ambiente. Em Novembro, a Junta de Freguesia de São Pedro da Cova tinha solicitado uma audiência com o ministro. Já em 2019, voltou a reforçar o pedido. Mas, à vila mineira, ainda não chegou resposta.