Medina: "Nunca o Miradouro de Santa Catarina será um espaço privatizado"

Fernando Medina reconhece que a câmara de Lisboa errou ao ter fechado o miradouro há sete meses sem que nada tenha acontecido entretanto. Moradores da zona dizem-se exaustos de insegurança, falta de sossego e higiene. Há quem tema que vedar o Adamastor seja só o começo de uma privatização do espaço público.

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daniel rocha

“Nunca, em nenhuma circunstância, o Miradouro de Santa Catarina será um espaço reservado, reservável, privatizado ou privatizável.” A garantia é do presidente da câmara de Lisboa, Fernando Medina, que esta quarta-feira à noite esteve numa concorrida sessão pública em que se debateu o futuro daquele espaço.

Quase sete meses depois de ter sido colocada uma vedação provisória em redor do miradouro, o projecto de recuperação proposto pela câmara foi apresentado publicamente pela primeira vez e discutido numa reunião que durou mais de quatro horas. Como o PÚBLICO já tinha antecipado, o projecto contempla uma vedação metálica com dois metros de altura e três portas – a ideia é que fechem a partir de certa hora da noite.

No final da reunião, Fernando Medina reconheceu erros da autarquia na gestão do processo e assumiu que é difícil fazer face à “complexidade” de problemas que Lisboa enfrenta, mas afirmou-se um defensor do espaço público, rejeitando a acusação de que pretende privatizar o miradouro ao colocar-lhe uma vedação e horários. “Todo o controlo do acesso, de horário, de espaço, está nas mãos de uma entidade pública de forma aberta, transparente, publicitada. Nunca poderia ser de outra forma, é o espaço público, será sempre um espaço público.”

“O espaço público é o coração de uma cidade. É sagrado, é o núcleo central numa cidade. Não há uma cidade que viva como cidade que possa pensar em atentar contra o espaço público”, declarou o autarca. “Cometemos um erro, que foi esta sessão não se ter realizado há uns meses”, disse. Fernando Medina explicou que mandou encerrar o miradouro em Julho do ano passado pois pensava que a obra podia avançar rapidamente, mas verificou-se que afinal não. “É responsabilidade minha”, reconheceu. O fecho repentino do local e a demora no arranque das obras geraram “dúvidas” e “desconfianças”, pelos quais o autarca também assumiu a culpa.

“Da mesma forma que eu assumo a falha quanto à forma como o processo ocorreu, não assumo qualquer sentido e orientação para o processo que não a preocupação de cuidar dos residentes desta zona”, afirmou ainda.

Moradores queixam-se de insegurança

A colocação ou não de uma vedação no miradouro é o que mais tem dividido as opiniões e foi também o tema mais abordado na reunião, que se realizou no Liceu Passos Manuel. Inúmeros moradores da zona relataram diversas situações de insegurança, insalubridade e falta de sossego, enquanto outras pessoas alertaram que vedar este espaço abre a porta a que se vedem mais. 

Favoráveis ou contrárias à vedação, quase todas as intervenções salientaram a necessidade de se ir mais longe: combater o tráfico de droga, aumentar o policiamento, instalar videovigilância e melhorar a higiene urbana foram algumas reivindicações apresentadas. 

“Alguma coisa tem de ser feita. A vedação será um primeiro ponto, mas obviamente não chega”, declarou Luís Paisana, da Associação de Moradores da Misericórdia. “É um escândalo autêntico a quantidade de dealers” na zona, disse um comerciante. “Vedar Santa Catarina é, de facto, importante. O miradouro é conhecido internacionalmente como um local de venda de droga”, afirmou Regina Teixeira, residente no bairro, que descreveu um cenário de “alta marginalidade que não dá sossego aos moradores”. “Nós temos de ter paz. E para ter paz somos a favor do tal gradeamento”, disse Vigília Santos, da Associação A Voz do Bairro.

“Por muito que eu gostasse de ter ali polícias 24 horas por dia, infelizmente não posso fazê-lo. Os polícias são um bem escasso”, afirmou Paulo Flor. O subintendente da PSP assumiu que o tráfico de droga é um problema grave naquela área e que ele “não se esgota nem se circunscreve de maneira nenhuma ao miradouro”, mas deu a entender que brevemente poderia haver progressos positivos, assim haja tempo e meios para investigar. “A dimensão da polícia nesta área da cidade não é a ideal, mas é o que é possível fazer.”

“Não entendo, por muito que me esforce, em que é que uma vedação melhora a segurança. Se tudo isto se passa impunemente no Bairro Alto há décadas, porque não vedaram ou muraram o Bairro Alto?”, insurgiu-se José Silveira. Para Rosa Ramos, uma das porta-vozes do movimento Libertem o Adamastor!, que é contra a vedação, “nenhum destes problemas se resolve com uma grade no espaço público”. “Quais são os estudos, os relatórios, os pareceres que dizem que vedar vai resolver o problema?”, quis saber outra interveniente. “Isto não se resolve com grades, é chutar para canto. Vamos acabar por gradear a cidade toda”, profetizou um orador.

Como Fernando Medina já tinha anunciado, o projecto vai agora ser discutido pela Assembleia de Freguesia da Misericórdia. A presidente da junta, Carla Madeira, defendeu que “qualquer solução tem de ser integrada”, incluindo, entre outras, melhor iluminação pública e videovigilância. “Não queremos aquele espaço como está actualmente.”

Depois de a freguesia se pronunciar, caberá aos vereadores da câmara a palavra final. Se forem aprovadas, as obras poderão começar no prazo de poucas semanas.

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