Líder da UGT apela a Marcelo para mediar greves e acusa ministros de "desrespeito"
O secretário-geral da UGT diz que o país vive "um sobressalto cívico e sindical" e que a culpa é do actual Governo que "alimentou expectativas acima das suas possibilidades".
Neste momento, a UGT faz mais oposição ao Governo do que qualquer partido, reconhece o secretário-geral da central sindical. Em entrevista ao PÚBLICO e Renascença, que pode ouvir hoje às 13h, Carlos Silva explica as diferenças em relação à CGTP, que anda tímida, e revela que já aconselhou o sindicato dos enfermeiros Sindepor a "parar para pensar".
Há uma guerra entre UGT e Governo?
Não há guerra. Há algum mal-estar, nomeadamente, entre os socialistas que são a tendência maioritária na UGT em relação a uma intervenção crítica do secretário-geral do PS na reunião da comissão política do PS [em que acusou os sindicatos da UGT de serem "irresponsáveis"]. Foi a primeira vez, em 40 anos de existência da central sindical, que isso aconteceu de uma forma tão assertiva e até um pouco agressiva. Nunca um primeiro-ministro fez este tipo de crítica tão contundente à nossa central sindical e muito menos um primeiro-ministro do PS.
O que significa isso?
Significa que a posição da UGT está a incomodar o Governo. Há uma parte do movimento sindical que tem tido uma participação mais activa nas ruas e na acusação à UGT de ser a muleta dos governos e dos patrões. Agora somos nós que fazemos oposição ao Governo, mais do que alguns partidos, e isso talvez seja uma alteração de paradigma. Em relação às declarações do secretário-geral do PS não podemos deixar de sentir algum orgulho. É uma prova perante o país que a UGT não está mancomunada com qualquer governo! O que há é uma reacção legítima sobretudo por parte dos sindicatos da Administração Pública a um conjunto de expectativas e promessas que douraram o nosso universo político a partir de Novembro de 2015. As expectativas foram muito grandes e um Governo do PS com o apoio de partidos de esquerda espoletou nas pessoas expectativas que agora ficam goradas. O que há agora é um sobressalto cívico e sindical por parte dos trabalhadores da Administração Pública que não se acomodam perante a incapacidade do Governo de vir ao encontro das suas expectativas. Vir ao encontro não é dar tudo o que se pede, não. Muitas vezes basta sentar-se à mesa e tentar manter um processo negocial.
O Governo não tem sabido manter negociações.
Não, nomeadamente na Administração Pública. Não há dinheiro e se não há dinheiro não há negociação: é isto que diz o Governo quando fala com os sindicatos, dos enfermeiros aos professores. Nos últimos dias vieram os magistrados do Ministério Público decretar dias de greve, o sindicato dos trabalhadores dos impostos e muitos outros estão em polvorosa. Esta quinta e sexta, há greve decretada pela Frente Comum. Há uma convergência do mundo sindical e compete ao Governo perceber o que está em cima da mesa. Dar uma bordoada na UGT caiu mal. 600 mil funcionários públicos, que têm família, não estão tranquilos. Isto representa 1,5 ou 2 milhões de pessoas que não estão satisfeitas.
Como vê esta greve dos enfermeiros?
Com alguma preocupação. Há um acumular de situações nos últimos anos que não foram resolvidas. É evidente que há um momento em que temos que parar para pensar. Esse momento chegou não apenas por causa da questão da requisição civil. Esta tensão tenderá a distender-se. Já falei com o Carlos Ramalho, do Sindepor, para conversarmos na quinta-feira e percebermos que passos podem ser dados para amenizar a situação. Mas é fundamental perceber-se que do outro lado está um interlocutor e à ministra da Saúde resvalou-lhe o pé para o chinelo. Entendeu que não havia condições para negociar. Houve uma radicalização de posições. O ideal é que se termine a greve mas o Governo deve ter a consciência que a opinião pública está alertada para a situação que se vive no SNS. Quando terminar a greve e houver negociações, esperemos que terminem as filas de espera, os seis ou sete meses para as consultas de especialidade, e que as pessoas deixem de estar acumuladas em macas nos hospitais do SNS.
Nesta questão da greve dos enfermeiros, Arménio Carlos tem sido mais crítico do que o Carlos Silva em relação ao crowdfunding.
Não tenho sido crítico porque o crowdfunding tem uma roupagem legal no nosso país.
Mas é pouco transparente.
Então a questão da transparência que se combata. Estou de acordo que se crie uma lei na AR para quebrar o anonimato do crowdfunding. Estou de acordo com a proposta do PS até para evitar suspeições.
Como se resolve agora o impasse nas negociações?
Como em qualquer negociação sindical com uma entidade patronal privada ou pública. Não faz sentido esticar a corda porque senão os trabalhadores que representamos nunca mais têm aumento salarial nenhum. O que importa perceber é aquilo que o PM veio dizer de que talvez em 2020 haja condições de desbloquear aumentos salariais para a função pública. Por que é que não disse aquilo numa reunião com os sindicatos em vez de dizer isto na televisão? Era uma forma de distender a tensão que tem existido.
E na saúde também acha que deve ser assim?
Deve ser assim com todos: sentar-se a ministra da Saúde com os enfermeiros, o ministro da Educação com os professores. Temos a administração pública num patamar de luta e reivindicações por uma expectativa que saiu gorada.
Este governo alimentou expectativas acima das suas possibilidades, é isso?
É. Alimentou expectativas acima das suas possibilidades mas na altura se calhar não sabia que era acima das possibilidades e nestas coisas é melhor ter alguma cautela.
Não teme que se cave um fosso entre público e privado?
Não. Isso é mais o discurso político daqueles que querem lançar trabalhadores contra trabalhadores. O ministro Vieira da Silva tem ido ao encontro das reivindicações do movimento sindical. Na concertação social tem sido possível gerar equilíbrios entre os sindicatos, patrões e governo. Tem havido aumento da negociação colectiva. O PM parece que se esqueceu que quando é preciso compromissos na concertação social a UGT está presente e a CGTP não está. É este mal-estar que se criou. Então quando é necessário reforçar a concertação social e o diálogo fala-se com a UGT e no resto o sr. PM achava que eu ia deixar cair o Sindepor? Era só o que faltava! Não deixo cair nenhum sindicato! Não cometeram nenhuma ilegalidade! Podem estar numa atitude menos adequada para a opinião pública, que pode achar que aquilo que está a fazer é um abuso da greve, um abuso do direito. A minha função não é dar tau-tau a ninguém. É criar um patamar de intervenção pública que reflicta que é a generalidade da opinião na UGT. Fiz os alertas ao presidente do Sindepor, é preciso parar para pensar, o que não significa abdicar das lutas. Eles têm razão.
Estão ou não a ser ultrapassados os limites da greve?
Acho que é preciso parar para pensar para evitar aquilo que grassa na opinião pública: que há um abuso de direito ou uma utilização abusiva da greve. Mas a requisição civil veio trazer para a luta outros sindicatos que estavam à espera para ver. Houve aqui um movimento de solidariedade.
Como tem visto a posição do Presidente da República?
Tem sido muito favorecedor do diálogo e de uma solução partilhada.
Devia ser o mediador?
Há um apelo e estou a favor desse apelo. Mas cabe ao Governo olhar para o espelho e perceber qual é o caminho que quer fazer. Cabe ao PR criar pressão.
No caso dos professores, o ministro chegou a dizer que tem até ao fim de 2019 para abrir a negociação. Isso é um desrespeito?
É um desrespeito aos sindicatos e à boa-fé. Estamos a gozar com a cara dos outros? Isso não se faz. Os sindicatos reagiram e ainda vão reagir.
Sente-se mais ouvido e valorizado pelo PR do que pelo PM?
Claramente. Não tenho dúvidas nenhumas.
Teme que o acordo de concertação social assinado em Julho seja desvirtuado no Parlamento agora em Fevereiro?
Não temo porque tem a assinatura do PM. Ele fez questão de ir à cerimónia. Há um líder que assinou. Se querem fazer alterações digam ao líder que o querem contrariar.